segunda-feira, 5 de julho de 2010

A verdadeira subversão

Por mais que a segurança pública (na verdade a falta dela) figure há muitos anos no topo da lista de preocupações do brasileiro, a questão tem sido reiteradamente tratada como ameaça individual. Os indivíduos sentem-se ameaçados, o Estado não.
Temo que seja um erro. As dimensões que tomou o crime organizado, no mundo inteiro, levam inexoravelmente a uma ameaça institucional, de que dão exemplo o México, El Salvador e os demais países da América Central.
No México, o assassinato de um candidato a governador para as eleições que se realizariam domingo levou o presidente Felipe Calderón a considerar o crime organizado "uma ameaça permanente", que "pretende impor suas regras".
O grave, ante essa avaliação, é o fato de que, desde que tomou posse, em 2006, Calderón chamou o Exército para ajudar no combate ao crime organizado. Se nem assim, a "ameaça permanente" foi ao menos atenuada, o risco institucional é considerável.
Em El Salvador, o presidente Maurício Funes também chamou o Exército. Em entrevista publicada domingo pela Folha (papel e Folha.com), Funes admite que a debilidade institucional de seu país --avaliação que vale para toda a América Central e também para outros países latino-americanos-- "apresenta o risco de contaminação da maior parte das instituições do Estado, incluindo a polícia, o Ministério Público e o Judiciário".
Recente análise sobre a eleição mexicana, feita pelo Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (Washington), ecoa essa inquietação. Diz:
"No passado, os cartéis da droga focavam sua atenção, riqueza e pessoal nas disputas pelas Prefeituras, particularmente naquelas em que os "capi" importavam, plantavam, armazenavam, manufaturavam e traficavam drogas. Com o crescimento da indústria de narcóticos e a configuração de novas e mais extensas linhas de suprimento, os narcos estão dedicando maior interesse às campanhas estaduais".
Consequência, sempre segundo o CSIS: "Estas [as de domingo passado] são as primeiras batalhas estaduais nas quais os cartéis da droga estão recorrendo a uma violência descarada, como aparentemente se reflete no assassinato do candidato do Partido Revolucionário Institucional no Estado de Tamaulipas".
A esperança do analista do CSIS é a de que o crime "mude a dinâmica para a eleição presidencial de 2012 e leve o maior número possível de cidadãos a favorecer candidatos preparados para enfrentar os cartéis e sua crescente brutalidade".
Enquanto isso, no Brasil, pouco ou nada se fala da ameaça, embora se apliquem ao país, perfeitamente, análises como as feitas pelos presidentes Calderón e Funes.
Diz Funes, por exemplo: "Há anos, nossas forças de segurança foram ultrapassadas pela delinquência comum e pelo crime organizado".
Vale ou não para o Brasil? Vale ou não o risco, também apontado pelo presidente salvadorenho de "contaminação da maior parte das instituições do Estado, incluindo a polícia, o Ministério Público e o Judiciário"?
É verdade que a brutalidade, no Brasil, não chegou ao nível do México e da América Central. Mas os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) em São Paulo, há quatro anos, não são um desafio institucional suficiente para justificar um debate mais consistente sobre o risco de subversão representado pelo crime organizado?
Discussão que deveria envolver o papel das Forças Armadas.
Em tempo: nas eleições de domingo, o partido do presidente Calderón, ao contrário do que se supunha antes do pleito, conseguiu, coligado com a esquerda, avançar sobre Estados até então governados pelo PRI (Partido Revolucionário Institucional), em tese menos inclinado a continuar a guerra que Calderón declarou ao crime organizado. O PRI, é verdade, recuperou o governo de três Estados, nos quais vivem 3,5 milhões de pessoas, mas perdeu outros três, com população bem maior (7,997 milhões).
Posto de outra forma: parece cedo para decretar o fracasso, aos olhos do público, da guerra de Calderón.

Fonte:  Clóvis Rossi

Nenhum comentário:

Postar um comentário