quarta-feira, 25 de maio de 2011

O medo e a precarização do trabalho - Entrevista com Christoph Dejours

Para o psicanalista francês Christoph Dejours, o medo é mau conselheiro. Ele gera condutas de autodefesa que arruínam as instituições e violam o direito. Mas, segundo o pesquisador, o mais preocupante não é o medo, mas, sim a falta de esperança de que a tendência possa se inverter. “Nós só sabemos transmitir uma única coisa: o valor do dinheiro. Isso é insuficiente, contudo, para constituir a base de uma cultura”, salienta. A entrevista, realizada por e-mail, pode ser conferida na íntegra a seguir.

Christophe Dejours é psiquiatra, psicanalista e professor do Conservatoire Nationale Dês Arts et Métiers (CNAM), uma instituição pública ligada ao Ministério da Educação francês. Seus ensinamentos sobre os impactos da organização do trabalho sobre a saúde mental do trabalhador são especialmente utilizados por sociólogos, filósofos, estudantes, sindicalistas, entre outros interessados nas questões da saúde do trabalhador.
Dejours é professor titular da cátedra de Psychanalyse-Santé-Travail no Conservatoire National des Arts et Métiers, diretor do Laboratório de Psicologia do Trabalho e da Ação (LPTA), do CNAM e da revista Travailler. É membro associado do Centre de Recherche: Sens, Ethique et Societé (CERCES), do CNRS-IRESCO, do Institut de Pscychosomatique de Paris (IPSO), e da Associaton Psychanalytique de France (APF). Após estudos de medicina, de medicina do trabalho, de ergonomia, de psiquiatria, de psicanálise e de psicossomática, bem como uma formação à investigação (Acção RESACT: Investigação sobre a Melhoria das Condições de Trabalho - DGRST), empreendeu investigações sobre as fronteiras da psicanálise, com as ciências biológicas e com as ciências sociais. Escreveu, entre outros, Travail : usure mentale. Paris : Bayard, 1993, A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1999, Christophe Dejours: Da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. Selma Lancman & Laerte I. Sznelman (organizadores). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Brasília: Paralelo 15, 2004 e O Fator Humano. Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas, 1997.


IHU On-Line - Por que as pessoas hoje têm tanto medo de perder seus empregos? Essa é uma característica da sociedade do trabalho pós-moderna?
Christoph Dejours – Sinto-me impossibilitado de responder a esta questão no geral. No que diz respeito ao caso da França, a situação é muito clara: a estabilidade do emprego só se generalizou após longas lutas sindicais, em 1968. A precarização representa, pois, uma regressão social importante. Atualmente, as condições dos trabalhadores são muito diferentes do que eram durante toda a segunda metade do século XX. Era fácil, então, encontrar um novo emprego quando se queria mudar de trabalho, de empregador ou de região, pois não havia desemprego. Além disso, os desempregados e os pobres (em pequeno número) se beneficiavam de sistemas de ajuda social eficazes, em particular para os cuidados médicos. Hoje em dia, existe uma nova pobreza na França, e há milhões de pessoas que vivem em condições dramáticas, nas quais a miséria se complica com formação de guetos e violência. Perder seu emprego é correr o risco de se encontrar, um dia ou outro, condenado a se juntar aos quarteirões inviáveis da periferia urbana. E os trabalhadores em situação de precarização de seu emprego têm boas razões de ter medo.

IHU On-Line - Que conseqüências traz o fato de trabalhar com medo e insegurança?
Christoph Dejours - O medo está presente nas situações de trabalho, implicando riscos para a integridade física (acidentes do trabalho, doenças profissionais) como na construção de obras públicas, na produção química, nas minas, na produção nuclear, etc. Mas, hoje em dia, o medo abrange também as pessoas envolvidas nas atividades de serviços, como as enfermeiras, os trabalhadores ou assistentes sociais, os caixas de supermercado, os condutores de ônibus, os agentes de segurança social e de locações familiares, dos correios, dos impostos, dos bancos etc., que são vítimas da violência dos clientes, dos usuários, dos jovens, dos estudantes, no próprio exercício de suas funções profissionais. Enfim, outros, que são mais bem protegidos contra as agressões físicas, têm medo, hoje em dia, de não atingir os objetivos de rentabilidade que lhes são impostos. Se as sanções em caso de insuficiência se traduzem pela demissão, compreende-se que o medo tenha lugar no trabalho ordinário.
As conseqüências do medo são, em primeiro lugar, a perda do prazer de trabalhar e, em seguida, o desaparecimento da confiança nos colegas. Além disso, o medo dá lugar à agressividade, ao ódio, ao rancor etc. O medo faz sofrer. É preciso se defender. E as estratégias de defesa são difíceis de construir e manter. Quando elas são solidamente constituídas, porém, transformam profundamente a personalidade. É o que certos autores anglófonos chamam polidamente de “a corrosão do caráter ”.

IHU On-Line - Que estratégias são criadas pelos trabalhadores para lidar com o medo de perder o emprego?
Christoph Dejours - Existem estratégias individuais de defesa contra o medo, mas são, sobretudo, estratégias coletivas de defesa que levantam problemas, porque elas são quase sempre construídas sobre o modelo da coragem viril e podem, por sua vez, gerar estratégias securitárias que atiçam a violência e constituem, em termos, uma ameaça para a democracia.

IHU On-Line - O suicídio como resultado do estresse e da sobrecarga do trabalho seria um reflexo do rumo que a sociedade do trabalho vem tomando?
Christoph Dejours - Os suicidas nos lugares de trabalho traduzem, sobretudo, o desmoronamento da ajuda mútua, da solidariedade e da cooperação. Os suicidas são a manifestação mais terrível da solidão e do “cada um por si”, que se estende sobre o mundo do trabalho com o desenvolvimento das novas formas de organização do trabalho, de gestão e de gerência.

IHU On-Line - Como se relacionam, na França, o sofrimento e a banalização da injustiça social?
Christoph Dejours - Na França, a banalização da injustiça não poderia ocorrer sem o consentimento e a colaboração de um grande número de trabalhadores. Muitos daqueles que colaboram, fazem-no precisamente porque têm medo. O medo desempenha um papel maior nas novas formas de consentimento que, todavia, se reprova moralmente. Entretanto, as novas formas de organização do trabalho, de gestão e de administração que se impõem nas empresas, não funcionam por si sós. Há muitas pessoas que colaboram com o sistema e que lhe conferem seu zelo; uns, porque pensam em tirar proveito de sua colaboração levando vantagens estratégicas, e os outros, porque pensam que, de toda forma, a resistência é inútil e sem esperança.

IHU On-Line - Há alguns anos, vem-se falando do aumento da violência na França e no mundo todo, particularmente no Brasil. É realmente a violência que progride ou a vigilância e a intolerância a ela?
Christoph Dejours - É certo que a violência cresce nos países europeus. Ela, com toda a evidência, é associada à dualização da sociedade e à formação de populações que perderam toda esperança de poder levar à sociedade uma contribuição pessoal, e que, por essa razão, não podem esperar nenhum reconhecimento e nenhuma gratidão dessa sociedade. É compreensível que isso constitua um fermento para a expansão do ódio, do rancor e da violência.

IHU On-Line - Quais seriam os maiores medos do sujeito pós-moderno?
Christoph Dejours - O medo é mau conselheiro. Ele gera condutas de autodefesa que arruínam as instituições e violam o direito. Talvez o mais preocupante não seja o medo, mas, principalmente a falta de esperança de que a tendência possa se inverter. Nós não estamos mais em condições de transmitir a confiança, a esperança, o senso comum da justiça, a solidariedade, nem as regras de vivermos com nossos filhos. Nós só sabemos transmitir uma única coisa: o valor do dinheiro. Isso é insuficiente, no entanto, para constituir a base de uma cultura.

IHU On-Line - Como o senhor vê a relação de violência e insegurança vivida pelos imigrantes na França e as reações da população francesa?
Christoph Dejours - Os imigrados efetivamente sofrem discriminações cada vez mais importantes na França. O comunitarismo de um lado ganha terreno, e, do outro, os franceses se tornam racistas e xenófobos, como em toda a Europa, aliás. Há certamente pessoas que se esforçam em resistir a esses desvios deploráveis, porém são minoritárias e uma ação eficaz não é assumida pelos partidos políticos que se interessam muito mais pelas estratégias de conquista do poder e pelo clientelismo, do que pelas questões políticas e pela luta em favor da justiça e da proteção dos mais fracos.

IHU On-Line - Como os jovens franceses vêm se manifestando na busca de melhorias nas condições de trabalho? Quais suas principais rebeldias nesse sentido?
Christoph Dejours - Por enquanto, os jovens não se batem para transformar as condições e a organização do trabalho. Eles se batem pelo emprego como tal, não pelo conteúdo, ou pelo sentido do trabalho. Há, no entanto, alguns frêmitos desde o início de 2006, e o movimento da primavera foi ocasião de debates, em particular entre os estudantes, sugerindo de uma parte, que alguns entre eles já não crêem mais nas teses absurdas do fim do trabalho, e, de outra parte, manifestam novamente curiosidade pelas ciências do trabalho. É apenas um frêmito, porém, e não existe, atualmente, uma luta organizada dos jovens sobre o tema do trabalho.

(Fonte: http://www.unisinos.br/ihu)

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