sexta-feira, 3 de abril de 2009

Myanna Lahsen: O debate sobre as mudanças climáticas<br> - 03/04/2009

Folha de S.Paulo -

O debate sobre as mudanças climáticas

MYANNA LAHSEN


É fácil criar confusão sobre a ciência do clima. E as consequências dessa confusão podem ser enormes e catastróficas

É FÁCIL criar confusão sobre a ciência do clima. E as consequências dessa confusão podem ser enormes e catastróficas. O exemplo são os EUA, onde, desde os anos 90, uma dezena de cientistas contrários (em inglês, "contrarians") têm dado uma força fundamental a um movimento conservador e antirregulatório, contestando a ciência e as preocupações relativas às mudanças climáticas provocadas pelos seres humanos. Financiado e organizado por uma elite financeira sem paralelo do outro lado, o movimento tem tido impacto importante na opinião pública americana. Consequentemente, esta é muito mais cética no assunto e menos inclinada a apoiar políticas públicas na área se comparada, por exemplo, com populações da Europa.
No Brasil, não temos visto -até agora- um movimento organizado questionando a ciência do clima, pois não há fortes interesses materiais nisso. Mas essa situação pode mudar com o aumento das pressões para que o Brasil cumpra metas obrigatórias de redução das suas emissões, sobretudo as ligadas ao desmatamento.
Por todas essas razões, é importante responder quando jornais brasileiros de alta influência publicam artigos questionando as conclusões do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na siga em inglês), das Nações Unidas, e mais ainda quando invocam a autoridade dos cientistas contrários americanos, como fez José Carlos de Azevedo nos textos publicados por esta Folha em 13/10/08 e 25/2/09.
Azevedo se apoia num relatório do NIPCC -organização criada para contestar as conclusões do IPCC- e o apresenta, ao lado dos cientistas contrários Fred Singer e Frederick Seitz, como fonte mais confiável de conhecimento científico do que o IPCC. Algum debate deve existir e é saudável, pois as mudanças climáticas globais são uma ameaça complexa e há incertezas. O que é perigoso e errado é sugerir que os cientistas céticos e o relatório do NIPCC são fontes mais confiáveis para o conhecimento científico do que o IPCC.
Por cima, Azevedo baseia seus argumentos contra o IPCC e as evidências científicas das mudanças climáticas num entendimento errado do que é o IPCC -que não é uma instituição de pesquisa, ao contrário do que ele diz. O IPCC não faz previsões de tempo nem do clima. Ele avalia ciência já produzida. Há tantos erros nos artigos que o espaço não permite a correção de todos. O importante é que os leitores brasileiros saibam identificar as fraquezas dos argumentos de Azevedo e os perigos que esse tipo de discurso representa, à medida que consegue colocar em dúvida a necessidade de agir para diminuir o risco e os impactos das mudanças ambientais globais.
Azevedo escreve que o relatório do NIPCC, contrariando o IPCC, foi produzido por "muitos" cientistas "renomados". Esse número, 23 cientistas, é muito pequeno se comparado aos milhares de cientistas que participaram da produção dos relatórios do IPCC, os quais sempre são submetidos a um processo de revisão científica ("peer review") rigorosa e extensa.
Além disso, cientistas do NIPCC, tais como Singer e Seitz (que Azevedo cita como autoridades científicas), não são cientistas ativos e reconhecidos na área do clima. Singer tem publicado poucos artigos em revistas científicas na área do clima, mas nada de impacto. Seitz nunca fez nem publicou ciência sobre o clima e faleceu em março de 2008, aos 96 anos, décadas após sua aposentadoria.
Ambos se dedicaram à política muito tempo atrás, com grupos conservadores ligados a elites financeiras e indústrias interessadas. Seus discursos e associações demonstram valores políticos e culturais fortemente antirregulatórios e antipolíticas ambientais, colocando em dúvida as autoidentificações com a objetividade. O mais problemático é que eles têm participado integralmente de práticas enganosas para simular autoridade científica não merecida, amparados por interesses financeiros privados, como eu e outros analistas temos estabelecido em revistas científicas internacionais.
Os argumentos de Azevedo são igualmente enganosos e mistificadores. Como Seitz e Singer, Azevedo está aposentado há muito tempo e não é, e nunca foi, pesquisador ou "expert" na área de mudanças climáticas e mostra, como eles, uma inclinação forte e ideológica contra o ambientalismo. Claro que tem o direito de se expressar. É preciso haver espaço para todos os pontos de vista.
Porém, para assegurar processos democráticos e desenvolver políticas públicas cautelosas diante das ameaças ambientais, é essencial que a sociedade em geral fortaleça sua capacidade de identificar fontes científicas robustas, fundadas não em ignorância ou em interesses financeiros escondidos e de curto prazo, mas em processos rigorosos e transparentes de controle e avaliação independente, como é o caso do IPCC. Tais fontes também podem errar, mas são -de longe- a melhor aposta.
MYANNA HVID LAHSEN, antropóloga, doutora pela Rice University (EUA), é pesquisadora do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do Centro para Pesquisa de Políticas de Ciência e Tecnologia da Universidade do Colorado (EUA).

Conselho limita número de professores temporários - 03/04/2009

Folha de S.Paulo

Conselho limita número de professores temporários

Norma aprovada ontem fixa teto em 10%; em São Paulo, o percentual é de 44%
Pela regra, quando o teto for superado, terá de haver concurso; medida ainda precisa ser confirmada pelo ministro da Educação

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
ANGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Conselho Nacional de Educação aprovou ontem norma que fixa em 10% o limite de professores temporários nas redes públicas de ensino do país. Na rede estadual de São Paulo, o percentual é de 44%.
De acordo com o dispositivo, toda vez que o percentual ultrapassar o teto, é preciso abrir concurso público para contratação de profissionais efetivos.
A norma, que ainda precisa ser homologada (confirmada) pelo ministro da Educação, determina diretrizes para os planos de carreira dos professores do ensino básico do país.
A princípio, o MEC diz concordar com diversos pontos, inclusive a dos temporários.
Não foi estipulado prazo para a redução dos não-efetivos, mas a medida deve atingir quase todos os Estados. Levantamento feito pela Folha em fevereiro mostrou que cerca de 20% dos docentes das redes estaduais não são efetivos.
Educadores apontam a situação como uma das explicações para a má qualidade do ensino, pois esses professores não passaram por critério rigoroso de seleção (concurso público) e tendem a não ter continuidade no trabalho (podem perder o posto a qualquer momento).
Neste ano, um impasse na contratação desses docentes causou o atraso no início das aulas na rede estadual paulista. O governo tentou utilizar uma prova como critério de seleção, mas foi impedido pela Justiça, a pedido dos sindicatos.
"A falta de concursos públicos regulares causou essa situação em São Paulo e também no restante do país", disse a relatora da norma, Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente da Apeoesp (sindicato dos professores da rede de São Paulo).
"Os concursos não precisam ser feitos de uma vez. Mas é preciso que haja cronograma", disse Noronha. Em São Paulo, dos 230 mil docentes, cerca de 100 mil são temporários.
Um número pequeno de temporários é considerado necessário para trocas pontuais (afastamento por problema de saúde, por exemplo).
Procurada no final da tarde de ontem, a Secretaria da Educação do governo José Serra (PSDB-SP) disse que só irá se manifestar após a eventual homologação da norma. Em ocasiões anteriores, a pasta afirmou que preparava a criação de 75 mil cargos públicos. A proposta, porém, ainda não foi enviada à Assembleia (a abertura dos concursos depende da aprovação do Legislativo).
A reportagem não conseguiu localizar os representantes dos secretários estaduais e municipais de Educação do país. Membro do conselho, César Callegari disse que as propostas foram discutidas com o ministério e secretários.
A norma aprovada ontem (um parecer e um projeto de resolução) determina também que todas as redes públicas de ensino devem ter plano de carreira, o que não ocorre atualmente na maioria dos municípios, de acordo com o MEC.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Folha de S.Paulo - Prefeitura paga R$ 71 por remédio de R$ 6 - 30/03/2009

 

Prefeitura paga R$ 71 por remédio de R$ 6

Superfaturamento levanta suspeita da participação de servidores da Secretaria da Saúde para beneficiar fornecedores
Comissão da gestão Kassab vê indício de formação de cartel para fraudar licitações; em oito compras suspeitas gastos são de R$ 6 milhões
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL
A Prefeitura de São Paulo pagou até 994% a mais por remédios e produtos hospitalares entre 2003 e o ano passado. O esquema, que teria a participação de servidores, beneficiou ao menos três empresas, que atuariam numa espécie de cartel para fraudar licitações.
As fraudes foram descobertas pela própria Secretaria Municipal da Saúde, que montou uma comissão de investigação após ser alertada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público.
A comissão finalizou na semana passada um relatório parcial, obtido pela Folha, que apontou irregularidades em oito dos 50 processos analisados. Essas oito compras representam gastos de R$ 6 milhões.
Outros 137 processos ainda estão em fase de apuração. O relatório parcial não apresenta nome de nenhum servidor porque está sob sigilo funcional.
No caso mais absurdo, em 2007, a prefeitura pagou R$ 71,10 para cada caixa de Fluconazol, medicamento usado contra infecções, que era encontrado na distribuidora a R$ 6,50. Somente em fevereiro, a prefeitura comprou 1.050 cartelas do Fluconazol iguais à apresentação do contrato. Em uma única compra, o desvio de dinheiro chegaria a R$ 67 mil.
As licitações sob investigação têm a participação de seis empresas -Embramed, Biodinâmica, Vida's Med, Halex Istar, Home Care Medical e Velox. Todas ficam impedidas de firmar contratos com a prefeitura até o fim da apuração.
No caso da compra do medicamente Levofloxacino, fornecido pela Halex, os auditores dizem haver mais evidências de superfaturamento.
Com base em pesquisa em outros órgãos, concluiu-se que a secretaria pagava bem mais, R$ 64,90 por embalagem, do que outras unidades -o Hospital Samaritano pagava R$ 25 e o Santa Catarina, R$ 49.
Em outro processo de compra que evidenciaria superfaturamento, a empresa contratada havia feito oferta de R$ 3.767, mas acabou recebendo exatos R$ 15,7 mil, para surpresa da comissão. "Não [se] justifica a diferença", diz o documento da comissão da secretaria.
Um dos processos, para a compra de alguns tipos de soro, também apontou que os preços eram até 46% maiores do que os praticados no mercado, inclusive em vendas para outros órgãos de governo.
Esse mesmo processo de compra revelou um problema ainda mais grave -os produtos entregues eram de "qualidade duvidosa" e o pedido de substituição ainda se encontrava "em andamento", o que corrobora a tese do Ministério Público do Estado, de que as empresas sob suspeita trabalhavam com materiais de baixa qualidade.
Móveis fantasmas
Outro caso emblemático, conforme o relatório da comissão, ocorreu na licitação para mobiliar o Hospital Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. No valor de R$ 3,889 milhões, foi obtido em agosto de 2006 pela Home Care Medical.
O relatório afirma que o edital já era irregular, porque não exigia certidão negativa de débitos públicos das empresas. Além disso, quatro empresas que disputaram a licitação "apresentaram preços praticamente iguais" nos 34 itens. Em 13 itens, os preços eram "idênticos", indício de combinação prévia entre as empresas.
Um inspeção realizada pela comissão no hospital descobriu que jamais haviam sido entregues 128 armários do tipo roupeiro que já haviam sido pagos.
Em outro caso, o mesmo funcionário que requisitou a contratação do serviço conduziu a licitação, o que deu margem para mais suspeitas.
Esse contrato, de R$ 712 mil, para a manutenção de equipamentos cirúrgicos, foi vencido pela Biodinâmica em 20008.