quarta-feira, 18 de março de 2009

Adriano Diogo: O discurso e a prática - 18/03/2009

Fonte: Folha de São Paulo

O discurso e a prática

ADRIANO DIOGO


Ao analisarmos as ações em saúde do governo Serra, vemos descompasso enorme entre o seu discurso e a prática da sua gestão

EM RELAÇÃO ao artigo publicado em 18/2, do secretário da Saúde do Estado de São Paulo, Luiz Roberto Barradas Barata, esclareço algumas questões. Desde que exerceu o cargo de ministro da Saúde, o atual governador de São Paulo, José Serra, se esforça para cultivar a imagem de homem público comprometido com a área. Porém, ao analisarmos as ações de seu governo, verificamos que há enorme descompasso entre seu discurso e a prática da sua gestão.
Em São Paulo, o Estado mais rico da Federação, o programa Saúde da Família cobre apenas 24% da população, enquanto a média nacional de cobertura é de 45,2%. O governo estadual segue não cumprindo o que determina a emenda constitucional 29/2000. Estima-se que a soma de recursos não gastos com a saúde entre 2000 e 2008 alcance R$ 3,3 bilhões, o suficiente para construir 66 hospitais de 250 leitos. A administração de 16 hospitais, assim como a de uma dezena de ambulatórios especializados e equipamentos de exames laboratoriais e anatomopatológicos, foi repassada para organizações sociais com dispensa de licitação, criando suspeitas sobre a transparência do processo.
O governador alardeia o repasse de verbas às prefeituras paulistas, mas não conta que ele só aconteceu depois de uma década de luta. Durante esse período, foram apresentadas na Assembleia Legislativa diversas emendas à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) solicitando o repasse de recursos do fundo estadual para os fundos municipais de saúde.
Além disso, sua política de saúde estadual se caracteriza por uma posição de não colaboração e de constrangimento normativo dos municípios. Muitas vezes o governo Serra desenvolve ações que concorrem com as prefeituras, a exemplo dos hospitais e ambulatórios gerenciados pelas organizações sociais sem gestão dos municípios em que ficam sediados.
Essa mesma política de constrangimento é exercida na comissão de Saúde e Higiene do Parlamento paulista, onde o governo exerce interferência absurda. Ao mesmo tempo em que defende a transparência das ações, o governo estadual se coloca contra a criação de conselho gestor nas unidades de saúde, tendo ingressado com ação de inconstitucionalidade contra a lei 12.516/2007, de autoria do deputado Roberto Gouveia (PT), que dispõe da criação dos conselhos.
O governo estadual parece querer varrer para debaixo do tapete o fato de que paga a pior remuneração do mercado, sem estímulos adequados para profissionalizar os servidores da saúde. Também é inegável que o modelo de gestão de saúde ado- tado por São Paulo favorece a privatização dos serviços e prejudica o controle social necessário.
A dissonância do discurso com a prática também se verifica na análise do Orçamento 2009. Enquanto Serra afirma que o objetivo da peça orçamentária é "a prosperidade econômica e a equidade social", a realidade dos números não demonstra essa ênfase na destinação dos recursos. Na área de saúde, a variação dos gastos mostra a diminuição de recursos em diversas frentes.
Os recursos para ações de vigilância sanitária, por exemplo, tiveram uma redução de 22,93%; a dotação orçamentária para o programa de atenção inte- gral à saúde do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa diminuiu em 25,53%. Gastos com fabricação e distribuição de medicamentos, prevenção, assistência e recuperação do câncer cresceram menos do que o crescimento percentual da saúde. Enquanto isso, os recursos federais vinculados para a gestão do Sistema Único de Saúde no Estado de São Paulo evoluíram de R$ 383 milhões, em 2003, para R$ 3,32 bilhões em 2009.
Os programas do Ministério da Saúde atendem cada vez mais os paulistas. O programa de saúde bucal atende 4,3 milhões de pessoas. O Samu (Serviço de Atendimento Médico de Urgência) atende 20,6 milhões de pessoas. Foram implantadas 50 unidades da Farmácia Popular e, em 2006, efetivaram-se convênios com 589 farmácias particulares para vendas com desconto de medicamentos para hipertensão arterial e diabetes.
Por meio do Pacto pela Saúde, uma iniciativa do governo federal que envolve o Estado, a União, os municípios e a sociedade civil, foi estabelecida em São Paulo e em todo o Brasil uma nova forma de transferência e descentralização de recursos, que, além de definir as responsabilidades sanitárias de cada ente federado, está contribuindo para fortalecer a gestão compartilhada e solidária do Sistema Único de Saúde. Essa é a diferença de um governo que coloca em prática aquilo que anuncia nos discursos.
ADRIANO DIOGO, 59, geólogo sanitarista, é deputado estadual (PT-SP) e presidente da comissão de Saúde e Higiene da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Folha de S.Paulo - Adriana Diogo: O discurso e a prática
- 18/03/2009

terça-feira, 17 de março de 2009

Folha Online - Brasil - Combate ao trabalho escravo liberta 4.634 trabalhadores em 2008 - 31/12/2008

 

Combate ao trabalho escravo liberta 4.634 trabalhadores em 2008

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EDUARDO CUCOLO
da Folha Online, em Brasília

Os fiscais do Ministério do Trabalho libertaram 4.634 trabalhadores em mais de 133 ações de combate ao trabalho escravo realizadas neste ano. Foram fiscalizadas 255 propriedades no país, número recorde.

Em 2007, os fiscais haviam batido o recorde de ações (116) e de trabalhadores resgatados em situação análoga à de escravo, com a retirada de 5.999 trabalhadores explorados em 206 propriedades fiscalizadas.

De acordo com o Ministério do Trabalho, o maior número de libertações ocorreu em Goiás (867), seguido por Pará (741), Alagoas (656) e Mato Grosso (486).

A Secretaria de Inspeção do Trabalho, responsável pelo combate a exploração de mão-de-obra escrava, informou que, em 2008, intensificou a ação nos setores sucroalcooleiro e de pecuária, de onde surgiram mais denúncias.

Previsto no artigo 149 do Código Penal, o crime de trabalho escravo ocorre nas situações de trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívida e trabalho degradante, que significa ausência dos direitos relacionados à saúde e segurança.

As indenizações pagas pelos proprietários flagrados pelos fiscais chegaram a R$ 8,2 milhões, com mais de 4.000 autos de infração lavrados.

Os empregadores autuado também aparecem em uma lista divulgada pelo Ministério do Trabalho, que é atualizada semestralmente. Quem tem seu nome incluído nela fica sujeito a restrição de crédito em bancos oficiais e privados.

A última atualização ocorreu no dia 29/12 e está disponível no site do MTE, no endereço http://www.mte.gov.br/trab_escravo/lista_20081229.pdf.

Desde 1995, ano em que foi criado o grupo móvel de fiscalização, já foram libertados mais de 30.000 trabalhadores no Brasil.

Folha Online - Brasil - Fiscais resgatam 280 trabalhadores em condições análogas à escravidão em Tocantins - 17/03/2009

 

Fiscais resgatam 280 trabalhadores em condições análogas à escravidão em Tocantins

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FELIPE BÄCHTOLD
da Agência Folha

Fiscais do Ministério do Trabalho resgataram 280 trabalhadores em condições consideradas análogas à escravidão em uma fazenda voltada para a produção de biodiesel no interior do Tocantins. Segundo o ministério, os empregadores não ofereciam condições adequadas de alimentação e de alojamento nem davam equipamentos de proteção.

O resgate é o maior deste ano no país e é quase o dobro do total de trabalhadores resgatados nos dois primeiros meses de 2009 (149). A ação ocorreu no município de Caseara (275 km de Palmas) na semana passada, mas só foi divulgada hoje. A fazenda tinha plantações de pinhão manso (oleaginosa), que é usado para produzir biodiesel. A propriedade pertence à empresa Saudibras.

Segundo o ministério, dos 280, 153 trabalhadores não tinham carteira assinada. Fiscais disseram que havia cobrança de água consumida pelos empregados. Os proprietários devem responder à ação civil pública.

A Saudibras nega que houvesse trabalho análogo à escravidão e contesta o uso do termo "resgate" na operação. Também afirma que a propriedade foi vistoriada anteriormente sem que nenhuma irregularidade fosse encontrada.

Segundo o advogado Ari José Santana, a comida tinha boa qualidade e todos os alojamentos eram de alvenaria. Ele classifica a divulgação da ação como "sensacionalismo" e "exagero". Também diz que os trabalhadores não estavam com carteira assinada porque haviam sido contratados dias antes, o que é permitido pela legislação, e que os todos estavam com o salário em dia.

A fazenda, chamada de "Bacaba", tem 3.100 hectares de área, equivalente a 20 parques Ibirapuera. De acordo com o ministério, os trabalhadores devem receber seguro-desemprego. Eles moravam em Caseara e em um município vizinho. A Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho também participaram da ação.

Usinas multadas por trabalho degradante têm R$ 1 bi do BNDES - 17/03/2009

Fonte: Folha de São Paulo

Usinas multadas por trabalho degradante têm R$ 1 bi do BNDES

Autuações foram aplicadas em razão de alojamentos precários, jornadas extenuantes e falta de equipamentos de proteção
Usinas de açúcar e álcool, que estão instaladas no interior de Goiás, dizem que buscaram se readequar às normas trabalhistas
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Relatórios do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) cruzados com dados do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho revelam que, no ano passado, o banco desembolsou R$ 1,1 bilhão para três usinas de açúcar e álcool multadas pela situação degradante de trabalhadores -duas das multas foram aplicadas antes da liberação dos recursos.
Segundo os documentos, as multas foram aplicadas em 2008, totalizam R$ 540 mil e têm como justificativa a contratação de trabalhadores por meio de "gatos" (como são chamados os aliciadores desse tipo de mão-de-obra), alojamentos precários, jornadas extenuantes, transporte irregular e falta de equipamentos de proteção.
O BNDES, cuja propaganda institucional fala em "cláusulas socioambientais" nos contratos desde dezembro de 2007, declara não ter competência legal para julgar empresas sob investigação, mas, diante de uma eventual condenação, poderá suspender ou revisar os contratos (leia texto ao lado).
As três usinas estão instaladas no interior de Goiás. Nenhuma delas, porém, aparece na "lista suja" do Ministério do Trabalho, em que estão as empresas que tenham sido flagradas com trabalhadores em condição análoga à de escravos.
Apesar da situação degradante relatada, não foi detectada a "servidão por dívida", quando os funcionários são forçados a ficar nas propriedades até saldarem débitos contraídos com os empregadores na "compra" de alimentos, roupas e equipamentos de trabalho.
Contratos e flagrantes
A Usina São João Açúcar e Álcool, por exemplo, recebeu R$ 456,6 milhões do BNDES para ampliar duas usinas no interior de Goiás. Uma delas, a Agropecuária Campo Alto, em Quirinópolis (294 km de Goiânia), teve no ano passado 24 autos de infração, com 421 encontrados em situação degradante, com más condições de alojamento e falta de equipamentos de proteção individual, segundo o Ministério do Trabalho. A fiscalização ocorreu em maio (multa de R$ 176,6 mil), e o contrato foi assinado em junho.
A Rio Claro Agroindustrial recebeu R$ 419,5 milhões para implantar três unidades de processamento de cana. Numa delas, em Caçu (340 km de Goiânia), foram encontradas más condições de alojamento e falta de equipamentos de proteção. O Ministério Público do Trabalho fala em "situação de degradância" na localização dos trabalhadores. A fiscalização ocorreu em fevereiro (com multa de R$ 234,6 mil), e o contrato com o BNDES foi fechado em dezembro.
A Usina Porto das Águas recebeu R$ 278,9 milhões para uma unidade em Chapadão do Céu (595 km de Goiânia). Nessa unidade, além de denúncias de trabalhadores aliciados por "gatos" e submetidos a trabalho degradante, foram encontradas más condições de alojamento e falta de equipamento. O contrato foi assinado em maio, e a fiscalização ocorreu em junho, com multa de R$ 128,6 mil.
As empresas dizem que buscaram se readequar às normas trabalhistas.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Folha de S.Paulo - Patrus Ananias: Políticas sociais em tempos de crise - 16/03/2009

 

Políticas sociais em tempos de crise

PATRUS ANANIAS


O investimento no desenvolvimento social do nosso povo retorna para a sociedade como um todo, em forma de justiça social

AOS QUE ME perguntam sobre até quanto tempo serão necessárias as políticas sociais respondo que elas vieram para ficar.
Mesmo em sociedades mais evoluídas dos pontos de vista econômico, social, cultural e humano, há sempre uma parcela da população mais fragilizada. São pessoas, famílias e comunidades inteiras que, por circunstâncias, perderam condições de sobrevivência e precisam da ajuda do Estado.
No Brasil, só muito recentemente começamos a estruturar nossa rede de proteção e promoção social. Temos ainda um longo caminho pela frente. A ausência de política voltada para amparar os mais pobres e combater desigualdades ao longo de nossa história nos legou grande dívida social e estamos empenhando esforços para resgatá-la. Foi para isso que o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome foi criado em fevereiro de 2004, com uma estrutura voltada exclusivamente para atender os mais pobres do país. Os resultados positivos são visíveis e confirmados em estudos e pesquisas.
Para que possa responder ao resgate dessa dívida, o ministério tem de ter caráter permanente. Nossos programas podem mudar e as ações podem ser aperfeiçoadas e adequadas às demandas regionais ou a novas demandas. Porém, as políticas sociais, que agora assumem status de política pública, têm de ter continuidade. Na assistência social, precisam manter coerência com a determinação constitucional que as coloca junto com a saúde e a Previdência Social como tripé constitutivo da seguridade social.
Na segurança alimentar e nutricional, devem estar em sintonia com o princípio que define o direito à alimentação como pressuposto do direito à vida e, por isso, um direito elementar que deve ser garantido pelo Estado.
Se as políticas sociais são indispensáveis em períodos normais, tornam-se mais ainda em períodos como o que estamos vivenciando agora, com uma crise internacional gerada no cerne do sistema capitalista e que ameaça economias de países em desenvolvimento, como a do Brasil.
As políticas sociais funcionam como proteção para amenizar os efeitos da crise, protegendo os mais desvalidos ao estimular seu poder de compra, aquecendo a economia interna.
Mas, para assegurar a construção de um ministério duradouro, na perspectiva de consolidar uma rede institucionalizada de proteção e promoção social, carecemos ainda de ajustar e adequar a sua estrutura. Com atuação em todos os 5.563 municípios e no Distrito Federal, atendendo aproximadamente 68 milhões de pessoas (cerca de 37% da população brasileira), o MDS precisa de recursos que aprimorem mecanismos de gestão social para garantir eficiência e eficácia de nossas políticas. Precisamos ter nosso público-alvo bem definido, e os efeitos das políticas, monitorados por eficientes canais de avaliação e controle que gerem indicadores confiáveis que retratem nossa realidade.
Essa é a importância de dois projetos que se encontram em tramitação no Congresso: o projeto de lei nº 3.428/2008, que prevê a reestruturação administrativa do MDS com criação de 164 cargos em comissão na estrutura do ministério; e o projeto de lei da Câmara, que prevê a criação da carreira de desenvolvimento de políticas sociais, entre outras reformulações de carreira no serviço público.
O primeiro projeto encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania para elaboração da redação final; a segunda proposta aguarda inclusão na ordem do dia do plenário do Senado Federal. A criação da carreira de desenvolvimento de políticas sociais atende à área social como um todo, mas tem um impacto direto no MDS por causa de sua especificidade e também por ser uma pasta relativamente nova e que está se organizando dentro de um processo de evolução orçamentária e consequente ampliação das atividades.
Em conjunto, esses projetos têm o objetivo de criar as condições adequadas para garantir o bom direcionamento dos recursos públicos na área social, aprimorando mecanismos de fiscalização, controle, monitoramento e avaliação. E, se definimos que é importante trabalhar com os pobres com vistas à promoção social de nossa gente, temos de ter pessoas qualificadas para esse trabalho, até mesmo para que estejam preparadas para qualificar os beneficiários de nossas políticas.
Investir na gestão dessas políticas é uma questão de coerência e, certamente, trará mais eficácia nos investimentos da área. E é justamente investimento no desenvolvimento social do nosso povo. O resultado, sabemos, retorna para a sociedade como um todo, em forma de justiça social, conduzindo a um desenvolvimento mais sustentável e seguro.


PATRUS ANANIAS , 57, advogado, é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Foi prefeito de Belo Horizonte (1993-1996).