sexta-feira, 16 de maio de 2008

Marina rebate Lula e vê risco de retrocesso na Amazônia

Fonte: Folha de São Paulo

Ex-ministra afirma que se considera isenta e que poderia ter coordenado o PAS
Petista, que negou que fará oposição ao governo na volta ao Senado, disse que seu sucessor é "qualificado" para vaga no Meio Ambiente

MARTA SALOMONDA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com a exoneração publicada no "Diário Oficial" da União e ainda sem ter conversado com o presidente Lula sobre a decisão de deixar o Ministério do Meio Ambiente, Marina Silva (PT-AC) apontou ontem o risco de retrocesso no combate ao desmatamento na Amazônia, cujo ritmo voltou a crescer."É melhor ter o filho vivo em colo de outro do que vê-lo jazendo em seu próprio colo", afirmou a ex-ministra, numa referência ao título de "mãe do PAS" (Plano Amazônia Sustentável) dado a ela por Lula na semana passada. "Não podemos aceitar nenhum tipo de retrocesso", insistiu a petista na primeira entrevista desde que se demitiu, na terça-feira.
Marina assumirá sua vaga no Senado.Ao longo de quase duas horas de entrevista, a senadora apontou pressões contra a política de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Os principais alvos dessas pressões seriam: 1) a exigência de licença ambiental na concessão de crédito a partir de julho; 2) a criação de novas áreas de conservação ambiental; e 3) a restrição de que os proprietários de terras na Amazônia não desmatem mais do que 20% de suas áreas.Marina, 50, evitou prognósticos sobre a gestão de seu sucessor na pasta. Disse que Carlos Minc é um ambientalista "qualificado" para a tarefa, mas afirmou desconhecer em que termos o ex-secretário do Ambiente do Rio aceitou, por telefone, o convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva."Conheci o Minc quando ele ainda tinha cabelo. E corre o risco de perder mais", disse a ex-ministra sobre as dificuldades que o sucessor deve encontrar no comando do Meio Ambiente. Os obstáculos, segundo a petista, não decorrem do fato de Minc ter declarado desconhecer a Amazônia: "Eu não faria essa simplificação, nenhum ministro é capaz de conhecer questões de A a Z".
Marina adiantou que não voltará ao Senado como voz de oposição ao governo. Da tribuna, disse que fará a defesa do desenvolvimento e da preservação da Amazônia, ajudará o "colega" Minc e "meu presidente Lula, que ajudei a eleger". E completou: "Rogo a Deus para ele [Minc] fazer mais e melhor do que eu".

Pressões
Marina Silva apontou a origem de pressões para rever medidas de combate ao desmatamento, que voltou a crescer no segundo semestre do ano passado. Segundo ela, "há um tensionamento muito forte" vindo de Mato Grosso e de Rondônia, especificamente os governadores Blairo Maggi (PR-MT) e Ivo Cassol (sem partido-RO).
Maggi contesta dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que apontam o aumento do desmatamento -sem definição exata da área- com base em imagens de satélites. "Para que serve um sistema de alerta? O que poderemos fazer quando o aumento do desmatamento tiver se consumado?", reagiu.
Mais de uma vez durante a entrevista coletiva, ela defendeu que o governo resista às pressões para mudar resolução aprovada em fevereiro pelo Conselho Monetário Nacional com restrição ao crédito a propriedades que não tenham licença ambiental.
Outra fonte de pressão, segundo a ex-ministra, está atrasando a criação de novas áreas de conservação ambiental. Na quinta passada, a Casa Civil bloqueou a criação da reserva extrativista do Xingu, no Pará. Marina alega que, nos primeiros quatro anos de governo Lula, 20 milhões de áreas de conservação foram criadas, contra apenas 3 milhões no segundo mandato: "É só fazer a média e ver que o ritmo caiu".

Decisão dolorosa
Dois dias depois de oficializar a saída do governo, Marina afirmou ontem que essa foi "uma decisão difícil, um processo doloroso".A ex-ministra disse que respeita a decisão de Lula de entregar ao ministro Mangabeira Unger a coordenação do Plano Amazônia Sustentável, mas contestou a avaliação, feita pelo presidente, de que não teria isenção para assumir a tarefa. "Ser isento é ter um ponto de vista e ser capaz de mediar levando em conta o ponto de vista do outro. Me considero uma pessoa isenta", disse.

Lula
Marina contou que não havia conversado com o presidente desde que comunicou a decisão de deixar o governo por meio de carta, levada ao Palácio do Planalto por um portador. "O contato [com o presidente Lula] até agora ficou na carta, a carta diz tudo."A petista comentou também a avaliação do Planalto de que transformou a sua demissão em espetáculo. "Não foi em hipótese alguma [um ato de rebeldia], foi de uma forma muito respeitosa", respondeu.

Planos
A ex-ministra do Meio Ambiente não pensa em sair do PT, afirmou. Pelo partido ao qual se filiou em 1985, pretende disputar, em 2010, novo mandato no Senado. "Saio do governo para ir para a tribuna do Senado, lutar a favor do desenvolvimento sustentado", disse.Antes de retomar o mandato como representante do Acre, os planos de Marina se resumem a aproveitar o feriado para terminar trabalhos do curso de psicopedagogia que freqüenta na UnB (Universidade de Brasília). "Sou uma professora de história, alfabetizada aos 16 anos de idade e disso não me esqueço", completou.

domingo, 11 de maio de 2008

Dobra registro de acidente e doença

TRABALHO NO RAIO-X
Fonte: Folha de São Paulo

Dobra registro de acidente e doença

Distúrbios mental e osteomuscular foram destaques, com uma variação de até 1.324%

Rafael Hupsel/Folha Imagem

NA FÁBRICA
O metalúrgico W., 30, decepou acidentalmente o polegar da mão direita ao usar uma serra elétrica para cortar madeira; depois disso, a empresa contratou um técnico em segurança


MARIANA IWAKURA
DA REPORTAGEM LOCAL

As notificações de acidentes e doenças do trabalho cresceram 107% entre 2006 e 2007. Os registros passaram de 112.668 para 231.288.
Os dados foram levantados pela coordenadora do Laboratório de Saúde do Trabalhador da UnB (Universidade de Brasília), Anadergh Barbosa-Branco, com base em números do Ministério da Previdência Social. O aumento é devido ao sistema do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário para caracterizar acidentes e doenças relacionados ao trabalho, regulamentado pela Previdência Social em fevereiro de 2007.
Com a metodologia, os diagnósticos estatisticamente relacionados à atividade têm ligação automática com o trabalho, mesmo que o empregador não emita a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). O aumento, assim, não reflete necessariamente maior número de casos, mas sim acréscimo nas notificações ao INSS.
"Com a metodologia, passamos a ter condições mais objetivas de traçar estratégias de prevenção", avalia Remígio Todeschini, diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência Social.

Alto registro
As doenças mentais e osteomusculares foram destaques nas notificações em 2007. A primeira teve um acréscimo de 1.324% nos registros. A segunda, de 893%.
"São doenças com grande relação com o trabalho, mas difíceis de serem caracterizadas como tal individualmente", analisa Barbosa-Branco. De acordo com Mario Bonciani, vice-presidente nacional da Anamt (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), a exigência mental e a intensidade do trabalho são as causas de problemas como esses.
"O trabalhador esquece a piora [dos sintomas], e a reversibilidade da doença torna-se complicada", afirma. Ele acrescenta que doenças osteomusculares, como tendinite, e mentais, como depressão, afetam não só o ambiente profissional mas também o doméstico.
Roberto Angelo Moraes, 31, que é bancário há 16 anos, começou a sentir os sintomas da lesão por esforço repetitivo nos ombros e nos punhos em 1998. Após afastar-se e voltar à atividade, ele deixou o trabalho novamente, por causa da dor.
"Com a pressão psicológica que sofri nessa situação, tive depressão", conta Moraes, que segue afastado do trabalho.


Com IGOR GIANNASI , Colaboração para a Folha

Metodologia liga a doença à atividade

Metodologia liga a doença à atividade

DA REPORTAGEM LOCAL

Fonte: Folha de São Paulo

O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário determina estatisticamente as doenças mais comuns de cada ocupação.
Se o trabalhador contrai uma doença ou sofre um acidente que faz parte desse rol, tem o caso automaticamente relacionado ao trabalho. Ele se enquadra no benefício acidentário, com direito ao recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) durante o afas- tamento e à estabilidade no emprego por 12 meses depois de retornar.
A empresa pode contestar, no INSS, o nexo da doença com o trabalho. As firmas que reduzem os acidentes podem ter a alíquota do Seguro Acidente de Trabalho diminuída em até 50%; as que aumentam as ocorrências podem ter de pagar mais seguro.

Indústria tem maior ligação entre doença e profissão

Indústria tem maior ligação entre doença e profissão

Setores como os de carvão mineral, madeira e petróleo são campeões

DA REPORTAGEM LOCAL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Fonte: Folha de São Paulo

Os ramos da extração de carvão mineral, da fabricação de produtos de madeira, da reciclagem e da fabricação de coque e refino de petróleo estão entre os que mais apresentaram nexo técnico da ocorrência com o trabalho em 2007.
Segundo o estudo da UnB, esses são os setores que tiveram a maior proporção de benefícios acidentários (ligados à atividade laboral) em relação aos benefícios previdenciários.
"Toda a área industrial é muito propensa a lesões", analisa Anadergh Barbosa-Branco, da UnB. "O setor de carvão mineral é pequeno, mas de altíssimo risco e campeão de afastamentos", acrescenta.
Na última segunda-feira, uma explosão em uma mina em Lauro Müller, a 209 km de Florianópolis (SC), causou a morte de dois trabalhadores e deixou diversos feridos.
Ainda assim, tanto o sindicato dos trabalhadores como a entidade patronal ressaltam os esforços para diminuir ocorrências -um "trabalho imenso com a questão da segurança", diz Cléber Gomes, engenheiro do Siecesc (Sindicato da Indústria da Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina).
No setor petrolífero, também campeão de nexo entre ocorrência e trabalho, as preocupações já ultrapassam o campo das refinarias e siderúrgicas.
De acordo com Luiz Sérgio Brandão de Oliveira, coordenador da Comissão Nacional do Benzeno, em breve será estudada a situação de profissionais de distribuidoras e comércios de combustível, que também ficam expostos ao produto.

Informal
Para Alberto Ogata, diretor do Comitê de Responsabilidade Social da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e presidente da ABQV (Associação Brasileira de Qualidade de Vida), os setores campeões em doenças e acidentes são aqueles em que há mais empresas na informalidade.
Ele ressalta que há grandes indústrias siderúrgicas, de alimentos e elétricas com "nível baixíssimo de acidentes".
"Na maioria das grandes empresas, o tema está em elevada prioridade, mas, quanto menor o porte, maior a dificuldade para as firmas serem bem preparadas", diz Emerson Casali, gerente-executivo de relações do trabalho e desenvolvimento associativo da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Luís Carlos de Oliveira, coordenador do DSST do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, afirma que falta empenho das empresas para deixar o ambiente de trabalho mais seguro. "Os acidentes acontecem por falta de gestão responsável."
"Às empresas cabe cumprir as normas de segurança e saúde do trabalho expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Aos trabalhadores cabe observar as normas expedidas pela empresa", finaliza Casali.

Operador diz que benzeno causou doença

Operador diz que benzeno causou doença

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Fonte: Folha de São Paulo

A., que não quis se identificar, é operador de uma refinaria da Petrobras no Estado do Rio de Janeiro. Portador da síndrome mielodisplásica, doença que afeta as células da medula óssea, ele afirma ter contraído a doença ao ser exposto a gases emanados por tanques de petróleo.
Segundo ele, após dois anos de investigação médica, o contato com o benzeno foi apontado como possível causa da enfermidade. De acordo com o operador, a empresa negou a existência do gás na área em que ele atuava.
Afastado do trabalho, A. passa também por tratamento psiquiátrico.
Em nota, a empresa petrolífera afirmou que a taxa de freqüência de funcionários acidentados com afastamento tem decrescido a cada ano.

Ramos da economia em que houve as maiores caracterizações de nexo técnico

SETORES
Fonte: Folha de São Paulo

Ramos da economia em que houve as maiores caracterizações de nexo técnico*

Extração de carvão mineral

Fabricação de produtos de madeira

Reciclagem

Fabricação de produtos de metal

Fabricação de coque e refino de petróleo

Silvicultura e exploração florestal


*Obtidos com a proporção entre benefícios previdenciários (sem nexo) e benefícios acidentários (com nexo)

Fonte: estudo da UnB com base em dados da Previdência Social

Greve de 78 teve "efeito detonador" para mobilizar o país, afirma Lula


Greve de 78 teve "efeito detonador" para mobilizar o país, afirma Lula
Petista diz que paralisação na Scania deve ser analisada em contexto de lutas


LETÍCIA SANDER
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Fonte: Folha de São Paulo

Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a greve que se iniciou em 12 de maio de 1978 teve um "efeito detonador extraordinário" de um processo de mobilização no país. Trinta anos depois, Lula afirma que, no "essencial", sua percepção sobre as greves não mudou.
"Se hoje o Brasil é o que é, se sou o que sou, devemos muito àquela companheirada", disse, em resposta por e-mail à Folha, enviado por sua assessoria.
Segundo o presidente, a greve permitiu que sua formação política não nascesse de um "aprendizado meramente intelectual", mas de uma elaboração a partir da "prática de luta".

GREVE COMPREENDIDA
"A greve da Scania tem que ser compreendida dentro de um contexto de lutas que não só o movimento sindical, mas toda a sociedade civil fazia naquele momento: nós lutávamos pela reposição salarial, quando tinha ficado claro que o governo havia praticado em 1977 um engodo em relação à inflação. Ao mesmo tempo, havia o movimento da Anistia, o movimento do Custo de Vida e tantas outras manifestações de resistência à ditadura e de conquista de direitos civis. Agora, é claro que a greve da Scania [...] teve um efeito detonador extraordinário... afinal, desde as grandes greves de Osasco e Contagem, não havia greves importantes no país."

MOBILIZAÇÃO
"A greve da Scania desencadeou e estimulou um grande processo de mobilização [...] em todo o país, que se traduziu num crescimento dos movimentos e na ocorrência de greves importantes, em muitos Estados, nos anos seguintes, particularmente em 1979."

IMPACTO NA DITADURA
"A greve e tudo o que ela desencadeou fez crescer o movimento contra a ditadura e mostrou aos cidadãos brasileiros que ela já não era imbatível, que seria possível destruí-la com forte mobilização popular."

FORMAÇÃO POLÍTICA
"É desta rica convivência, e da reflexão que ela provocou em nós, do movimento sindical e do movimento popular, que cresceu nossa formação política. Veja bem, uma formação política que não nasceu de um aprendizado meramente intelectual, mas de uma elaboração a partir da prática de luta."

CRIAÇÃO DO PT
"Daí para a criação do PT foi um passo: concluímos que não adiantava a gente ficar lutando contra a inflação, repondo perdas, ano a ano, correndo atrás do prejuízo. Era necessário mudar a política que concentrava renda, que impunha perdas enormes aos trabalhadores e permitia lucros sem limite ao empresariado, além de tolher a liberdade e os direitos mais elementares. Decidimos que precisávamos mudar a política do país, precisávamos governá-lo e para isso fundamos o PT."

GREVES, APÓS 30 ANOS
"Eu diria que o essencial não mudou. A disposição, a vontade de mudar, de fazer justiça, de estimular a produção de riquezas no país e distribuir esta riqueza com justiça para todos é a mesma. Eu diria até que aumentou esta disposição [...] Confesso que minha grande alegria como presidente da República é ver o país crescendo da maneira como está crescendo [...] isso compensa todo o sofrimento, toda a angústia e o peso da responsabilidade que o cargo de presidente impõe [...] Quero finalizar prestando minha homenagem e reconhecimento emocionado a toda aquele peãozada que acreditou que era possível, foi para a luta, pagou preços duríssimos tantas vezes, mas venceu. Se hoje o Brasil é o que é, se sou o que sou, devemos muito àquela companheirada."

Militantes questionam os rumos do sindicalismo 30 anos após greve de 78

Fonte: Folha de São Paulo
Militantes questionam os rumos do sindicalismo 30 anos após greve de 78


Organizada em menos de uma semana, paralisação enfrentou legislação sindical e projetou nome de Lula


"É uma amargura ver como está o movimento sindical hoje", afirma Manuel Anisio Gomes, ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos

Reprodução
Trabalhadores em greve na Scania em 1978


LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1978, uma greve que parecia amalucada, organizada em menos de uma semana na fábrica de ônibus e caminhões Scania-Vabis, em São Bernardo do Campo, alastrou-se por boa parte do ABC paulista. Questionou a legislação sindical então ultra-restritiva, ampliou o direito de greve, deixou perplexos os patrões e na defensiva a ditadura militar; construiu novos paradigmas para a ação dos sindicatos e projetou pela primeira vez o nome de Luiz Inácio da Silva, o Lula, para fora dos meios metalúrgicos. Trinta anos depois, alguns destacados militantes dessa jornada se perguntam: "Acabou?"

"É uma amargura ver como está o movimento sindical", diz o ex-diretor do sindicato dos metalúrgicos Manuel Anisio Gomes, 63. "Hoje, até o próprio sindicato contrata serviço temporário de trabalhadores terceirizados. Muitos dirigentes sindicais aceitam precarizar o mercado de trabalho e negociar direitos que estão na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] desde 1943. É uma tristeza para a gente", afirma Rubens Teodoro de Arruda, Rubão, 70, ex-vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema.

"Sempre fomos contra o imposto sindical porque achávamos que o sindicato deveria ser mantido pela contribuição voluntária dos associados. Agora, até a CUT [Central Única dos Trabalhadores], que era contra o imposto sindical, usa argumentos sem pé nem cabeça para defender que ele seja mantido. É muita contradição entre o discurso e a prática. Como você pode querer liberdade e autonomia sindical se você depende do imposto? Por que é que o dirigente vai fazer campanha de sindicalização se ele pode ficar esperando o dia de receber o dinheiro do imposto?", diz o ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos Djalma Bom, 69.

"Não existe mais solidariedade e companheirismo. O salário está difícil, o emprego está difícil. Todos contra todos, acaba essa confiança de um no outro, base da ação sindical", diz Isaias Urbano da Cunha, 68, ex-diretor do sindicato dos metalúrgicos de Santo André.

Manuel chorou. Djalma também. Isaias e João idem. Foi uma choradeira o encontro de dirigentes e militantes da greve de 78, que aconteceu na última quinta-feira em São Bernardo. Um dos participantes explicou a emotividade. Segundo ele, a greve de 78 exige muito da memória afetiva porque aqueles acontecimentos não podem ser resgatados a partir de fotos, hinos ou palavras de ordem.

Como o movimento grevista aconteceu dentro das fábricas, dele há poucos registros fotográficos e nada do charme "nouvelle vague" do maio de 68 francês, por exemplo. Também não houve hinos nem palavras de ordem. Aliás, uma marca original dessa greve foi o silêncio, conforme relata João de Oliveira da Silva, o "João Chapéu", 74, taxista agora, operário da Mercedes Benz há 30 anos:
"No dia 15 de maio, eu estava trabalhando normalmente, quando veio a notícia sussurrada: "Os tornos automáticos pararam". Saí da máquina para cumprimentar os companheiros. Quando voltei para a minha seção, que era a 21, bem no meio da fábrica, eu só ouvia o prrrrr-prrrrr-prrrrr -era uma máquina sendo desligada, depois outra e outra. Dali a pouco, silenciou a fábrica inteira. O encarregado-geral veio e falou: "Ninguém é contra greve nenhuma. Cada um fica sentado na sua máquina. E sem formar rodinha". Naquele silêncio, eu me sentia numa festa."

"Vamos fazer uma greve no fim desta semana?", assim começou a organização da greve na Scania. O autor da proposta foi Gilson Menezes, hoje com 58, que tinha acabado de ser empossado como diretor do sindicato, na chapa de Lula.

Segundo Gilson, se a greve fosse marcada para dali a 15 dias, a direção da empresa ficaria sabendo. No dia 12, nos ônibus que transportavam os operários para a fábrica, todos foram avisados: "Primeiro, vai parar a ferramentaria. O resto vai parando na seqüência".
Coincidentemente, a diretoria do sindicato tinha reunião marcada para o mesmo dia 12. Às 8h, Gilson deu fichas telefônicas a um outro operário e pediu-lhe que fosse a um orelhão ligar para o sindicato. "Fala que eu mandei avisar que a Scania está parada." "A diretoria vibrou. Teve até quem chorasse."

Segundo Manuel Anisio, a partir daí começou a pipocar greve em todos os lugares. A Volkswagen parou de produzir o Passat, sucesso da época. Durante nove dias, o Corcel parou de sair da fábrica da Ford. A reivindicação era 20% de aumento real, mas parou-se também por falta de papel higiênico, para conseguir os 15 minutos de café que as empresas não tinham, contra o cartão de ponto para registrar idas ao banheiro.

Em Santo André, vizinha a São Bernardo, as notícias da greve chegaram já na sexta-feira. Isaias se lembra de ter reagido mal à greve da Scania. "A gente achou aquilo uma loucura. Como? Vai fazer greve numa sexta-feira? Como é que segura no final de semana?" Mas eles conseguiram. Na segunda-feira, continuaram com a paralisação. "A gente não acreditava."

"Aí, umas meninas corajosas começaram a parar a seção de anéis da Cofap. Foi a nossa deixa. A gente chamava os homens de covardes. Graças às meninas dos anéis, todo mundo foi parando. Era dia 15 de maio."

"Meninas"
As "meninas" eram poucas na categoria (em São Bernardo, não superavam os 8% do total. Na diretoria do sindicato, era zero representante). Maria Teixeira Vilella, a Mana, 60, trabalhava no Comando de Diadema e era do sindicato quando ajudou o pessoal a parar fábricas pequenas e médias. Perdeu o emprego em 1980, após uma greve. Nunca mais foi aceita em nenhuma empresa. Tornou-se costureira. "Fico triste, porque a gente dá o sangue e depois as pessoas fingem que não conhecem. Sinto-me descartável. As mulheres que brigaram naquela época, como eram poucas, ficaram marcadas. Sou metalúrgica ferrada."

Os homens parecem mais aconchegados. "Se a gente sabia que um colega tinha ficado doente, ou estava numa pior, em meia hora corria uma lista dentro da fábrica para ajudar. Sempre tinha alguém que comprava o remédio e fazia a visita. Amigo de fábrica era melhor do que parente", diz Isaias.

Lula, que tinha tomado posse em 21/4/1978 para o novo mandato sindical, havia dito em seu discurso de posse que "os patrões e a Fiesp só ouviriam as vozes dos trabalhadores quando eles estivessem com os braços cruzados e as máquinas paradas".

Duas semanas depois das greves em 30 empresas, das quais participaram 50 mil operários de um total de 120 mil só em São Bernardo, a Lei de Greve tornara-se um trapo. Apesar da decretação da ilegalidade do movimento, o sindicato havia conseguido de várias empresas o aumento real de salários e o não-desconto dos dias parados.

E agora? "Novas tecnologias, informática, telecomunicações, robotização e terceirização da mão-de-obra são a forma atual de exploração da classe trabalhadora. O sindicato que o Lula de então dizia que tinha de funcionar na porta de fábrica é mais necessário do que nunca", diz Djalma Bom. "Ainda posso lutar", diz Rubão.