sábado, 21 de fevereiro de 2009

CESAR BENJAMIN: O nome da crise

CESAR BENJAMIN
O nome da crise


É preciso sepultar equivocadas interpretações que ajudam a explicar nossa tolerância ao problema do desemprego

Fonte: Folha de São Paulo

O BRASIL assistiu com leniência a um salto no patamar histórico do desemprego durante a década de 1990. Nos últimos anos, houve uma suave queda nos índices, mas tudo indica que no próximo período o problema se tornará novamente agudo. A recente queda na produção industrial foi de quase 20% em apenas um trimestre, um recorde que sinaliza o início de um ciclo de contração. Os números sobre o desemprego acabam refletindo esse movimento com alguma defasagem no tempo. É o que veremos nos próximos meses. Combater essa tendência será o grande desafio. É preciso sepultar quatro interpretações equivocadas, amplamente difundidas, que ajudam a explicar a nossa tolerância ao problema.
O aumento do desemprego foi apresentado, nos últimos 20 anos, como um subproduto do aumento da produtividade da economia brasileira, o que permitia considerá-lo, implícita ou explicitamente, como um aspecto problemático de um processo essencialmente desejável e virtuoso. Daí a ideia de uma certa inevitabilidade. É falso: modernização técnica e emprego não se excluem. O problema é que, no Brasil, a produtividade aumentou muito mais do que a produção, pois o crescimento econômico foi rastejante.
Quando a produção cresce com a produtividade, o nível de emprego se mantém. Quando cresce mais, ele aumenta.
Uma segunda interpretação tem destacado a baixa qualidade da força de trabalho brasileira. Abandona-se, assim, a questão social (oferta insuficiente de empregos) e se transfere o problema para os indivíduos afetados (sua "baixa empregabilidade").
Porém, excetuando situações específicas, não representativas do conjunto, também é falsa a ideia de que o trabalhador brasileiro não tem a qualificação que a economia demanda. As estatísticas mostram que perdem o emprego, principalmente, pessoas com 35 a 45 anos de idade, chefes de família, com experiência profissional e razoável qualificação.
Na outra ponta, criam-se empregos, principalmente, no setor de serviços sem qualificação: balconistas, vigilantes, motoboys e assim por diante.
Ao contrário do que se pensa, nossa força de trabalho se tornou superqualificada em relação ao tipo de emprego que foi criado nos últimos 20 anos no Brasil, cuja economia perdeu capacidade de agregar valor a cadeias produtivas cada vez mais internacionalizadas.
A terceira interpretação falsa destaca o excesso de encargos sociais. Divulga-se que eles representam 102% dos salários. A base desse cálculo está errada, pois ele considera encargos o descanso semanal, as férias, o décimo terceiro etc. Encargos, em todo o mundo, são apenas as contribuições destinadas a fundos coletivos que financiam políticas gerais.
Tudo o que é apropriado pelo próprio trabalhador é parte do seu salário. Fazendo as contas corretamente, a relação entre encargos e salários, no Brasil, é de apenas 25%. Além disso, o que é relevante para o investimento é o custo total do trabalho, que se mantém idêntico nas duas contas e é notoriamente baixo entre nós. A retirada de direitos trabalhistas não gera nenhum novo posto de trabalho.
Por fim, repete-se que o desemprego é uma situação típica das metrópoles, onde se realizam as pesquisas mensais, e não se repetiria no conjunto do país. Porém o último Censo -a única pesquisa com abrangência nacional- apurou uma taxa média de 15,04% em todo o território, quando o desemprego medido pelo IBGE em regiões metropolitanas estava em torno de 7%.
Combater essas mistificações é o primeiro passo para enfrentarmos o problema com a seriedade que ele merece.


CESAR BENJAMIN , 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.

Empresas sabotam estudo de transgênicos, diz grupo

Empresas sabotam estudo de transgênicos, diz grupo

Monsanto, Syngenta e DuPont vetam uso de planta em pesquisa independente
Agricultores que compram sementes modificadas têm sido impedidos de fornecer amostras a cientistas, diz relatório enviado à agência

24.out.2008/Associated Press

Agricultor monitora milharal transgênico em Iowa, nos EUA

ANDREW POLLACK
DO "NEW YORK TIMES"
Empresas de biotecnologia estão impedindo cientistas independentes de pesquisar a eficácia e o impacto ambiental de plantações geneticamente modificadas, afirma um relatório encaminhado ao governo americano por um grupo de 26 pesquisadores de universidades.
"Nenhuma investigação independente pode ser conduzida de forma legal em muitas questões críticas", escreveram os cientistas na declaração apresentada à EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos), que está recolhendo opiniões para pautar uma série de encontros científicos que realiza nesta semana sobre transgênicos.
A declaração vai provavelmente dar força aos críticos dessas plantações, como grupos ambientalistas que há muito queixam-se de que transgênicos não têm sido suficientemente estudados e que poderão ter consequências inesperadas à saúde e ao ambiente.
Os autores do novo manifesto, especialistas em insetos de milharais, não divulgaram seus nomes porque receavam ser cortados de pesquisas pelas empresas. Mas vários deles concordaram em dar entrevistas e ter seus nomes utilizados.
O problema, dizem os cientistas, é que os agricultores e outros compradores de sementes geneticamente modificadas têm de assinar um acordo para garantir que honrarão os direitos de patentes e os regulamentos ambientais. Mas os acordos também proíbem o cultivo das culturas para fins de pesquisa.
Permissão negada
Dessa forma, enquanto cientistas de universidades podem comprar livremente pesticidas ou sementes convencionais para suas pesquisas, não podem fazer o mesmo com sementes geneticamente modificadas.
Em vez disso, devem solicitar autorização das empresas de sementes. E, às vezes, a permissão é negada ou a empresa insiste em rever as conclusões antes de poderem ser publicadas, afirmam os pesquisadores.
Esses acordos são problemáticos há muito tempo, mas os cientistas disseram ter ido a público agora porque suas frustrações foram se acumulando.
"Se as empresas podem controlar a pesquisa, elas podem esconder possíveis problemas que apareceriam em qualquer estudo", diz Ken Ostlie, professor da Universidade de Minnesota, um dos cientistas que assinaram a declaração.
O mais surpreendente é que os cientistas que fizeram o protesto -a maioria deles afiliados a universidades com grandes programas em agrociências- dizem não ser opositores do uso da biotecnologia.
Entretanto, dizem, a asfixia provocada pela indústria sobre as pesquisas faz com que eles não possam fornecer algumas informações para os agricultores sobre a melhor maneira de cultivar as lavouras.
E, afirmam, os dados fornecidos a órgãos reguladores do governo estão sendo "indevidamente limitados". As empresas "têm o potencial de maquiar os dados, a informação que é submetida à EPA", afirma o entomologista Elson J. Shields, da Universidade Cornell.
Licença interrompida
Os acordos da Syngenta com os agricultores não só proíbem a pesquisa em geral mas também dizem que um comprador de semente não pode comparar um produto da empresa com qualquer outra cultura rival.
Ostlie, conta que, ainda em 2007, tinha permissão de três empresas para comparar a maneira com que as variedades de milho resistentes a insetos se saíam contra uma larva de besouro que ataca a cultura.
Mas, em 2008, a Syngenta, uma das três empresas, retirou sua permissão, e seu estudo precisou parar. "A empresa decidiu que não era de seu interesse deixar que a pesquisa continuasse", afirmou.
Chris DiFonzo, da Universidade Estadual de Michigan, disse que, quando conduz suas pesquisas em insetos, evita entrar em campos com culturas transgênicas porque sua presença faria com que os agricultores violassem os acordos e ficassem sujeitos a processo.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Precários: a cura pelo concurso

Precários: a cura pelo concurso

ELIZABETH BALBACHEVSKY

Fonte: Folha de São Paulo

É preciso que a seleção do professor volte a ser uma prerrogativa da escola, o que implica descentralização e vínculos permanentes

A PROVA classificatória para professores "precários" do ensino público paulista suscitou um debate que parte, a meu ver, de uma perspectiva errada. Propõe-se como cura para todos os males o concurso público, como se a simples efetivação dos professores fosse capaz de assegurar a qualidade do ensino.
Se dessa forma fosse, todo o ensino privado teria a mesma reputação de qualidade que o ensino público tem, uma vez que todos os seus professores são, em princípio, precários.
O número de efetivos e estáveis em sala de aula (130 mil) esconde o enorme número de professores efetivos que hoje desempenham funções fora da sala de aula.
Abrir concurso para 75 mil novos cargos de professor não significa, portanto, prescindir de "temporários", pois a inércia, por si só, irá garantir que uma parcela significativa dos novos "efetivos" saia do ambiente da sala de aula por meio da ampla gama de alternativas que a legislação estatutária lhes garante.
Afinal, um dos paradoxos da "carreira" aberta para o professor efetivo da rede pública são precisamente as oportunidades (e incentivos) para o professor se afastar da sua atividade-fim, em contraste com os poucos e precários instrumentos para premiar seu bom desempenho em sala de aula.
A prova da Secretaria da Educação não tinha como objetivo resolver o problema da efetivação, mas sim o de cumprir sua obrigação constitucional de garantir a todos um ensino de qualidade.
Infelizmente o debate se cingiu a uma oposição entre um Estado "mau patrão" e os direitos estatutários e trabalhistas reivindicados pelos sindicatos. No outro prato da balança, entretanto, está o direito constitucional à educação, um direito difuso das famílias paulistas, que não encontrou seu porta-voz no debate.
Tem razão uma educadora da Universidade de São Paulo quando lamenta, em entrevista à Folha (13/2/ 2009), o desaparecimento da figura do professor "da" escola estadual.
A inexistência do vínculo do professor com a escola -seja ele estável, seja precário- deve-se ao fato de que não é na escola, mas sim no Estado, que o professor encontra tudo o que é relevante para sua vida funcional e acadêmica.
A escola estadual não tem nenhuma autoridade ou poder sobre o recrutamento, a carreira, as remoções, as licenças, os afastamentos, tampouco sobre o desempenho dos professores. A "atribuição" centralizada das turmas, por meio de regras burocráticas e impessoais, tal como era a praxe, é uma aberração, uma vez que ela amplia a rotatividade dos docentes, retira do professor quaisquer vín- culos com a escola e, ao mesmo tempo, retira da escola qualquer instrumento de pressão por desempenho ou assiduidade.
Reduzir o problema do desempenho do professorado à questão de seu regime empregatício tem, como corolário, que escolher a escola é uma prerrogativa do professor, ao contrário do que ocorre no resto da civilização, onde escolher o professor é uma prerrogativa essencial da escola.
Para inverter esse processo perverso, é preciso, primeiro, que o recrutamento do professor volte a ser uma prerrogativa da escola, o que implica processos seletivos descentralizados e, em segundo lugar, que o vínculo com a escola seja em princípio permanente e a remoção seja a exce- ção, tendo a escola que cede e a que recebe a última palavra.
Finalmente, essa escola precisa ter seu desempenho aferido e avaliado em processos transparentes que possam ser acompanhados pela sociedade (e não apenas por seus pares). Somente dessa maneira poderemos ter de volta "os professores da escola pública", e a escola pública poderá voltar a ser uma instituição com vida própria -e não apenas um lugar onde se aglomeram provisoriamente estudantes e professores.
Se existe a disposição do governo do Estado para criar 75 mil novos cargos de professor, seria uma insensatez usar a oportunidade proporcionada pelo conflito provocado pela avaliação dos temporários para simplesmente reproduzir todos os vícios do atual sistema. Uma nova carreira docente, com um novo tipo de vínculo com o ensino e com a escola, tendo o direito dos alunos e das famílias como referência de legitimidade, está ao alcance da mão.

ELIZABETH BALBACHEVSKY , 50, socióloga, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo, é professora associada do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisadora sênior do Nupps-USP (Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas). É fellow do mestrado em ensino superior da Universidade de Tampere (Finlândia), com bolsa Erasmus Mundi da União Europeia.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Os desafios da nanotecnologia para o Brasil

Fonte: Gazeta Mercantil

Os desafios da nanotecnologia para o Brasil

Rio de Janeiro, 17 de Fevereiro de 2009 - A nanotecnologia já supera a
redução de tamanho de objetos, especialmente para a medicina e o uso de
materiais, e avança no manuseio dos átomos, individualmente. O tema é mais
acessível aos leigos, quando relacionado, por exemplo, com uma lagartixa,
a bola de futebol ou as cores do ouro, como se lerá aqui. "Tudo que era
micro virou nano, até para se conseguir financiamento dos órgãos de
fomento do governo", afirma o presidente da Associação Brasileira de
Carbono (ABCarb), engenheiro químico Luiz Depine de Castro, consultor do
Centro Tecnológico do Exército, em Guaratiba, Rio de Janeiro.

Depine, em entrevista exclusiva à Gazeta Mercantil e ao Jornal do Brasil,
lamentou o pouco conhecimento que o País tem da tecnologia do carbono, que
tem impacto sobre múltiplas atividades, como a siderurgia e a indústria
automobilística. Ele trata dos nanomateriais de carbono, a exemplo de
nanofibras, nanoesferas e nanotubos. "A lagartixa virou um exemplo
universal de como a natureza muitas vezes nos mostra algo que vamos levar
tempo para entender. Se os pelos existentes na pata da lagartixa não
fossem extremamente finos, reduzidíssimos, ela nunca conseguiria andar de
cabeça para baixo. Funcionam como velcro", comenta. Segundo Depine, a
nanotecnologia, a partir de arranjo de átomos, será uma verdadeira
revolução na forma de produção como conhecemos. "Primeiro porque
miniaturizará as fábricas, segundo porque modificará completamente a
demanda por mão-de-obra e terceiro porque eliminará, praticamente, a
ocorrência de defeitos".

O engenheiro Luiz Depine de Castro, que desenvolveu uma patente sobre
carbono, usada em ônibus espaciais, destaca que a nanotecnologia
impulsiona sonhos futuristas, só presentes na ficção científica, como os
elevadores espaciais. "Este é um sonho da Nasa, a agência espacial dos
Estados Unidos", diz, tratando da possibilidade de cabos feitos por
nanotubos de carbono. "É claro que, se conseguirmos explorar na prática
toda a potencialidade dos nanotubos de carbono, será possível a produção
de algo tão leve como uma camiseta à prova de balas que, além disso, seja
capaz de carregar microsensores para medir a temperatura do corpo, os
batimentos cardíacos, etc.", acrescenta. Todos os materiais de carbono
estão progressivamente ocupando espaços dos materiais tradicionais. A
substituição gradativa ocorre sob a forma de compósitos de fibra de
carbono (como os cientistas definem as composições), de espuma grafítica
ou de nanomateriais de carbono. "A posição do Brasil no desenvolvimento de
materiais de carbono é praticamente nula", ressalta Depine.

Gazeta Mercantil - O Sr. relaciona o desenvolvimento da tecnologia de
carbono com o de nanotecnologia. Por quê? Quantos especialistas
brasileiros se dedicam a esses estudos?

Nanotecnologia está na moda. Tudo que era micro virou nano, até para se
conseguir financiamento dos órgãos de fomento. Eu diria que a
nanotecnologia, que penetra em todos os segmentos do conhecimento, tem
dois ramos principais: a medicina e a área de materiais. Os nanomateriais
de carbono, tais como nanofibras, nanoesferas e nanotubos de carbono, têm
aplicação em ambos os segmentos e de uma forma extremamente forte,
principalmente na área de materiais. É difícil dizer quantos especialistas
brasileiros estão ou gostariam de estar envolvidos em nanotecnologia. Se
houvesse disponibilidade financeira ilimitada acho que quase todos os
pesquisadores da área de materiais, pelo menos, estariam envolvidos em
nanotecnologia, dada a sua importância.

Gazeta Mercantil - Sintetize, por favor, a redução de materiais que
simboliza a nanotecnologia.

A humanidade sempre se importou com o tamanho das coisas, até para
compatibilizá-las com a nossa capacidade de transportar. Após a Segunda
Guerra Mundial esse objetivo se tornou muito mais claro e a minha geração
viu como os japoneses começaram a reduzir o tamanho de tudo, dos relógios
aos rádios de pilha e às câmeras fotográficas. Não existe melhor exemplo
para isso do que o computador. Na terminologia nanotecnológica isso seria
chamado de uma redução "top-down", ou seja, de cima para baixo. Começa-se
com um material de grande tamanho e consegue-se progressivamente reduzir o
tamanho de seus componentes. Um exemplo clássico são os "chips" dos
computadores. Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, previu, em 1965,
que o número de transistores em um "chip" de computador dobraria a cada 18
meses. Dobrou a cada 24 meses, mas, mesmo assim, foi um visionário.

Gazeta Mercantil - Como está o desenvolvimento da nanotecnologia atualmente?

Hoje, quando se fala em nanotecnologia, se fala, na realidade, de algo
mais ousado, que é o chamado "bottom-up", ou seja, de baixo para cima. Não
se trata mais de reduzir o tamanho de algum objeto já existente para
torná-lo menor, mas de construir os objetos a partir do manuseio dos
átomos, individualmente. Essa nova visão começou com Richard Feynman,
professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia, em 1959, quando ele
mostrou, em palestra, as potencialidades da miniaturização e textualmente
afirmou que "os princípios da física, até onde eu posso ver, não falam
contra a possibilidade de manobrar coisas átomo por átomo... O que
aconteceria se pudéssemos arranjar os átomos um por um da forma que
desejássemos?". A palestra de Richard Feynman ficou esquecida até 1986,
quando Eric Drexler publicou o livro "Engines of creation", popularizando
o que se conhece hoje como nanotecnologia. Em 1989, Don Eigler,
pesquisador do laboratório da IBM, mostrou concretamente que a teoria do
"bottom-up" era algo concreto, quando manipulando átomos de xenônio ele
formou a palavra IBM.

Gazeta Mercantil - Por que a lagartixa é um símbolo da natureza importante
para a nanotecnologia?

A lagartixa virou um exemplo universal de como a natureza muitas vezes nos
mostra algo que vamos levar tempo para entender. Se os pelos existentes na
pata da lagartixa não fossem extremamente finos, reduzidíssimos, ela nunca
conseguiria andar de cabeça para baixo. Funcionam como velcro. À medida
que reduzimos a dimensão dos objetos, nós deixamos, proporcionalmente,
mais átomos na superfície dos mesmos e é isso que conta, porque são os
átomos da superfície que são importantes para que as reações e os
fenômenos ocorram com maior facilidade

Gazeta Mercantil - O que a nanotecnologia mostra sobre as cores do ouro?

No mundo nanotecnológico nem sempre valem os conceitos que temos, e é isso
que se exemplifica com a cor do ouro. O ouro só é amarelo para grandes
agrupamentos atômicos, ou seja, grandes peças. As partículas nanométricas
de ouro podem ser azuis ou vermelhas, dependendo da distância entre seus
átomos, mas o mais impressionante é que Faraday (1791-1867), ao observar
isso no ouro coloidal, já intuía que isso se devia ao tamanho das
partículas quando dizia que o ouro variava do azul até a púrpura de
Cassius.

Gazeta Mercantil - Qual é o exemplo relacionado à bola de futebol?

A bola de futebol é um outro exemplo semelhante ao da lagartixa. Quando
verificamos algo novo que a natureza já nos mostrava há muito tempo. Isso
está relacionado aos fulerenos, que são um dos nanomateriais de carbono.
Tornou-se conhecimento popular que o arquiteto Richard Buckminster Fuller,
projetista do domo do pavilhão americano na Expo 67, em Montreal, não
conseguia produzir uma forma esférica perfeita arranjando os hexágonos da
estrutura e que, após uma noite de sono, ele teve a ideia de inserir um
pentágono e cercá-los por hexágonos obtendo o que procurava. Em 1985,
quando uma nova forma alotrópica do carbono foi descoberta, Harry Kroto e
Richard Smalley verificaram que ela exibia estrutura idêntica à imaginada
por Fuller e a chamaram de "Buckminsterfullerene", que ficou popularmente
conhecida como fulereno. Os fabricantes de bola de futebol copiaram a
ideia de Fuller para produzir uma bola perfeitamente esférica.

Gazeta Mercantil - O arranjo dos átomos, na miniaturização, cria enormes
possibilidades. Quais?

É claro que estamos falando de algo que há 50 anos era ficção científica e
que demonstrou ser viável a partir do experimento de Don Eigler nos
laboratórios da IBM. A tecnologia "bottom-up" para produzir materiais a
partir do arranjo dos átomos será uma verdadeira revolução na forma de
produção como conhecemos hoje. Primeiro porque miniaturizará as fábricas,
segundo porque modificará completamente a demanda por mão-de-obra e
terceiro porque eliminará, praticamente, a ocorrência de defeitos. As
pessoas que conseguem visualizar o futuro imaginam a possibilidade de se
colocar fábricas completas em cima de uma mesa. Obviamente a mão-de-obra
necessária para operar essas fábricas será, em termos numéricos,
insignificante em relação ao que conhecemos atualmente e sua qualificação
não será nada comparada ao que temos hoje.

Gazeta Mercantil - Quais são os nanomateriais de carbono conhecidos?

Os nanomateriais de carbono conhecidos são as nanofibras, as nanoesferas,
os fulerenos e os nanotubos. Certamente os mais divulgados são os
nanotubos, mas todos têm grande aplicação.

Gazeta Mercantil - E os nanotubos?

Os nanotubos atraíram enorme atenção, desde a sua descoberta em 1991, por
duas razões básicas: a sua alta resistência mecânica e a sua versatilidade
na área eletrônica. A resistência à tração de um nanotubo de carbono,
teoricamente, chega a ser 30 vezes mais forte que a da fibra de carbono e
aproximadamente 150 vezes mais forte que o aço. É hoje o material mais
forte que o homem é capaz de produzir. Na área eletrônica, é o material
ideal porque pode ser produzido para ter um comportamento metálico ou
semicondutor. Isso significa que, dominados os desafios tecnológicos
normais de um desenvolvimento, seria possível produzir qualquer circuito
eletrônico, inclusive "chips" de computadores, somente usando nanotubos de
carbono.

Gazeta Mercantil - Que desafios enfrentam a tecnologia de carbono?

A tecnologia do carbono, exceto a dos nanomateriais, já está bastante
consolidada no mundo. É claro que, ainda assim, se busca sempre melhorar o
que já se conhece, reduzir o custo de fabricação e obter materiais
inovadores. Foi assim na década de 60, com a fibra de carbono, e na década
de 80, com a espuma grafítica. Quando se fala de Brasil, os maiores
desafios são a quase completa ignorância sobre o assunto, o
desconhecimento quase completo de sua potencialidade, a carência de
especialistas e pesquisadores no setor e a convicção das empresas de que
vão conseguir exportar e vender seus produtos interna e externamente
ignorando a existência desses materiais.

Gazeta Mercantil - E os desafios da nanotecnologia, dos nanomateriais?

Quanto aos nanomateriais de carbono, por serem extremamente recentes,
existem grandes desafios tecnológicos a serem vencidos. Um deles diz
respeito ao controle de sua produção para obter exatamente o material
desejado e não uma mistura. Os nanotubos, por exemplo, podem ter
comportamento metálico ou de semicondutor, portanto é necessário
identificar como se pode controlar a fabricação para se ter um ou outro.
Muitos outros desafios tecnológicos estão e estarão presentes, por muito
tempo, na produção de nanomateriais de carbono, mas eu diria que o custo
de fabricação é sempre a chave para a popularização de tudo que se inova.

Gazeta Mercantil - Quais as aplicações de nanomateriais em desenvolvimento?

São incontáveis. Nanoesferas, por exemplo, podem ser utilizadas como
aditivos em óleos lubrificantes. Nanofibras podem ser utilizadas como
reforço em materiais compósitos ou, popularmente, composições de
materiais. Nanotubos de carbono podem ser utilizados em baterias
recarregáveis, principalmente utilizando lítio, em supercapacitores, em
circuitos eletrônicos, e na geração de imagens tanto em raios X como em
"displays", além do emprego óbvio reforçando materiais compósitos. É claro
que, se conseguirmos explorar na prática toda a potencialidade dos
nanotubos de carbono, será possível, como já publicou a revista Nature
(volume 423, página 703), se produzir algo tão leve como uma camiseta à
prova de balas que, além disso, seria capaz de carregar microsensores para
medir a temperatura do corpo, os batimentos cardíacos, etc.

Gazeta Mercantil - Já há empresas explorando comercialmente essas áreas?
Onde?

Sim, no Japão, na Europa e nos Estados Unidos.

Gazeta Mercantil - O carbono e a nanotecnologia, juntos, podem conduzir à
existência de elevadores espaciais?

Esse é um sonho da Nasa (National Aeronautics and Space Administration -
ou Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço), nos Estados Unidos.
Hoje é uma ficção científica, mas que ela gostaria que se tornasse
realidade. Como esse material é extremamente forte, teoricamente seria
possível ter um elevador espacial cujos cabos fossem feitos de nanotubos
de carbono.

Gazeta Mercantil - Esses materiais de carbono têm lugar definitivo no
cenário tecnológico?

Todos os materiais de carbono estão progressivamente ocupando espaços dos
materiais tradicionais, seja sob a forma de compósitos de fibra de
carbono, de espuma grafítica ou de nanomateriais de carbono. A grande
restrição ao seu uso generalizado ainda é o custo. Entretanto, já se
consegue comprar na internet varetas para pipa e aeromodelos, além de
vasos sanitários, feitos integralmente em fibra de carbono. Em pouco
tempo, muito pouco tempo mesmo, quem não estiver produzindo, por exemplo,
carros de linha com várias partes em fibra de carbono dificilmente
conseguirá se manter no mercado. Se a crise não abrandar as restrições
impostas pela Comunidade Européia, isso já começará a acontecer em 2010.
Como mencionei, até a indústria da construção civil, no Brasil, já sentiu
essa necessidade e, até o momento, tem sido a mais agressiva para utilizar
esse tipo de material.

Gazeta Mercantil - Qual a posição do Brasil no desenvolvimento de
materiais na atualidade?

Sobre o desenvolvimento de materiais de carbono, a posição do Brasil é
praticamente nula. Com exceção do núcleo do Centro Tecnológico do Exército
e de alguns poucos pesquisadores em universidades brasileiras, ninguém
mais desenvolve esses materiais. Quanto aos materiais, como um todo, o
Brasil ainda carece de tecnologia para a produção de materiais especiais.
O País produz aquilo que demanda quantidade, mas com raríssimas exceções
aquilo que demanda tecnologia sofisticada.

Gazeta Mercantil - A Associação Brasileira de Carbono (ABCarb), tem um
projeto para o desenvolvimento do setor?

A ABCarb, criada oficialmente em 2007, resultou do anseio dos poucos
pesquisadores brasileiros interessados na área do carbono e que há muito
tempo decidiram juntar esforços para tentar melhorar a situação do País
nesse setor. Não conta com nenhum apoio governamental, ainda, nem com o
apoio de empresa privada, embora estejamos fazendo força para que isso
aconteça. Ela tem pouco mais de um ano e espera-se que, com a divulgação
de sua existência, as empresas privadas compreendam o esforço que estamos
fazendo e a necessidade de apoiá-la.

Gazeta Mercantil - Como a ABCarb pode ser apoiada?

A ABCarb vem fazendo o que é possível para uma entidade iniciante. Mantém,
por exemplo, excelente relacionamento com suas similares ao redor do
mundo, como os grupos britânico e francês de carbono. Entre 11 e 13 de
junho deste ano está promovendo, junto com o Grupo Francês de Carbono, o I
Encontro Franco-Brasileiro de Carbono, na cidade de Bordeaux (França).
Auxilia seus associados na solução de problemas, indicando locais para
execução de ensaios tecnológicos e possíveis consultores. Bienalmente,
promove o congresso brasileiro de carbono, que este ano tem sua realização
ameaçada pela retração dos possíveis patrocinadores, em consequência da
crise econômica internacional. É intenção da ABCarb lançar uma revista
científico-tecnológica na área de materiais de carbono, mas a entidade
ainda busca patrocinadores para isso. Toda empresa que quiser apoiar a
ABCarb encontrará no seu site (www.abcarb.org.br) a forma de fazê-lo e os
benefícios correspondentes.

Gazeta Mercantil - Quanto o Brasil deveria investir na nanotecnologia?
Qual é o papel da iniciativa privada?

O problema maior não é o quanto o Brasil deveria investir na área de
nanotecnologia, nem mesmo o quanto deveria investir em ciência e
tecnologia, mas sim como deveria fazer isso. Entretanto, eu posso dar
alguns números dos investimentos feitos na área de nanotecnologia só para
efeito de comparação. Somente em nanotecnologia, em 2003, o Japão investiu
algo ao redor de US$ 1 bilhão, os EUA, US$ 774 milhões, a Coréia, US$ 757
milhões e o Brasil, em 2004, US$ 97 milhões. Eu acho que essa pergunta
necessita de uma resposta mais completa. Até por volta de 1920, a
tecnologia que se desenvolvia no mundo tinha base exclusivamente empírica.
Isso significa dizer que a academia e a iniciativa privada se desconheciam
completamente e não necessitavam uma da outra. A partir dessa época, as
empresas verificaram que se tornava cada vez mais difícil inovar e
começaram a buscar suporte na ciência. Surgiu, então, o que se
convencionou chamar de tecnologia de base científica e que foi a
responsável pela explosão tecnológica que o mundo conheceu.

Gazeta Mercantil - Qual a diferença do nosso modelo científico-tecnológico?

Pode-se dizer que o Brasil "descobriu" a ciência e a tecnologia na década
de 70, quando começou a formar, em quantidades significativas, seus
doutores nas universidades européias e americanas. Nessa ocasião, o País
decidiu adotar um modelo de desenvolvimento científico-tecnológico
semelhante ao dos Estados Unidos, sem levar muito em consideração as
peculiaridades do País. Nos Estados Unidos, as universidades se preocupam
em fazer ciência e alguma tecnologia, com o apoio governamental, porque as
empresas privadas fazem todo o restante do desenvolvimento tecnológico.
Aqui as coisas são bem diferentes. Raríssimas empresas privadas têm um
laboratório de pesquisa e desenvolvimento, contando com pós-graduados
(mestres e doutores) em seus quadros. Com isso, o modelo brasileiro ficou
destorcido, porque só se preocupou com a ciência. O Estado não atuou para
desenvolver ou induzir o desenvolvimento tecnológico. Publicou-se e se
publica centenas de artigos em revistas científicas internacionais, mas
quase não se deposita patentes ou se gera inovação. Se tivéssemos nos
aproximado um pouco mais dos modelos europeu ou asiático, talvez a
situação fosse diferente.

Gazeta Mercantil - Há possibilidade de uma mudança positiva?

O Brasil já entendeu o problema e as coisas parecem que estão tendendo a
mudar. A criação, pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, uma
empresa pública), dos chamados CTs (Centros Tecnológicos), CT Petro, CT
Verde e Amarelo, e outros, é um exemplo disso. Nesse caso, o governo
financia parcialmente o desenvolvimento tecnológico em uma instituição de
pesquisa, desde que esteja associada a uma empresa privada. Infelizmente
essa iniciativa ainda é muito tímida. O problema se agrava quando o
próprio governo envia sinais ambíguos através de seus órgãos oficiais. Os
órgãos avaliadores das instituições de pesquisa e dos pesquisadores não
valorizam a geração de patentes e a inovação da mesma forma que a
publicação de artigos científicos. Dessa forma os pesquisadores, na sua
grande maioria, se desinteressam das patentes uma vez que elas contarão
muito pouco para sua ascensão profissional. Na verdade, as patentes se
tornam um estorvo altamente inconveniente para os pesquisadores.

Gazeta Mercantil - Por quê?

Vamos dar um exemplo concreto: para um aluno de doutorado defender tese
ele tem, na quase totalidade das universidades brasileiras, que publicar
um artigo científico, enquanto o registro de uma patente não tem qualquer
valor nesse sentido. É absolutamente impossível no tempo reservado ao
doutorado se produzir trabalho de qualidade, registrar uma patente (que
exige sigilo por um longo tempo) e ainda publicar artigo científico. Dessa
forma, os pesquisadores evitam o quanto podem se envolver com patentes e
inovação. Quem perde é o Brasil, que continua gerando majoritariamente
papel e exportando produtos primários. Eu me doutorei na Europa, mas não
poderia fazê-lo no Brasil. A minha tese foi defendida logo após o registro
da patente que ela gerou (tecnologia para inibir a oxidação de carbono em
altas temperaturas) e os artigos científicos começaram a ser publicados
somente um ano após a obtenção do título. Passados mais de 20 anos, o que
foi feito na Europa ainda não se faz no Brasil.

Gazeta Mercantil - O Brasil investe bem?

Isso tudo é para dizer que, antes de dimensionar o quanto seria necessário
investir no desenvolvimento de materiais de carbono e mais ainda na área
de tecnologia, precisamos pensar seriamente na forma como estamos
investindo, e se ela vai nos levar a atingir os objetivos de um país que
quer ser uma potência mundial. Em 1998, publiquei um artigo em revista
nacional intitulado "A tecnologia, a educação e a balança comercial -
reduzir, cortar e chorar" porque nessa época nossa balança comercial era
altamente deficitária e eu comentava que, se não agregássemos valor às
nossas exportações iríamos acabar cortando na carne e chorando. Veio a
bolha de desenvolvimento quatro anos depois e o resultado sobre a balança
comercial todo mundo conhece. A bolha estourou nessa crise mundial e a
nossa balança comercial voltou à realidade. Eu prefiro encerrar essa
entrevista com a mesma frase que usei, na época, para encerrar o artigo
que mencionei: "A quem é incapaz de gerar a globalização só permitirá
reduzir, cortar e chorar!".

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 2)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

PAUL SINGER: A ressurreição do keynesianismo

A ressurreição do keynesianismo PAUL SINGER

Fonte: Folha de São Paulo


Os governos reconhecem que esta crise não pode mais ser contida apenas pela redução de juros e apelam para o arsenal keynesiano


DESDE a inesquecível crise de 1929, a presente é a primeira a ser combatida com políticas retiradas do arsenal teórico keynesiano. Em 1929, quando o estouro da Bolsa de Wall Street deu início à mais longa e arrasadora crise da história do capitalismo, era consenso que os governos deveriam manter austeras suas políticas monetária e fiscal, por temor de uma possível inflação, induzida pela recuperação do consumo e da inversão. O que houve, porém, foi uma deflação infindável que perpetuou a retração da demanda efetiva, o desemprego em massa e o empobrecimento da maioria da população.
Diante do desastre, alguns governos (entre os quais o brasileiro e o sueco foram dos primeiros) jogaram o consenso conservador fora e passaram a usar o crédito e o orçamento público para fomentar diretamente o consumo, a inversão e a substituição de importações, tendo em vista incrementar a qualquer custo a atividade econômica nacional. Essas políticas, movidas pela coragem do desespero, lograram fazer com que o mundo emergisse de uma crise que parecia não ter fim.
Economistas de peso aprovaram então a nova heterodoxia, entre os quais John Maynard Keynes, que depois elaborou uma teoria geral para demonstrar que as políticas heterodoxas eram racionais tanto para remediar crises financeiras já estouradas como para preveni-las. Nas quatro décadas seguintes, o arsenal keynesiano de políticas anticíclicas foi amplamente aplicado para impedir que novas crises financeiras mundiais pudessem ocorrer.
Contribuíram para tanto as instituições criadas na conferência de Bretton Woods em 1944, não por acaso presidida por Keynes. O estatuto do Fundo Monetário Internacional o proibia de socorrer países cujos governos deixavam de controlar a movimentação internacional de capitais e instaurava a estabilidade cambial, impedindo que o valor das moedas nacionais flutuasse ao sabor da especulação.
Portanto, durante os 40 anos seguintes, as políticas anticíclicas keynesianas não tiveram emprego. No fim dos anos 1970, no entanto, a onda neoliberal começou a desmontar os controles multilaterais e nacionais da especulação, liberando-a no plano mundial. Como seria de esperar, as crises financeiras voltaram com o retorno do consenso de que, se os governos se dedicassem ao equilíbrio fiscal, elas seriam passageiras.
Mas isso não se aplicava aos Estados Unidos, cujo banco central tem como missão tanto combater a inflação como manter a economia nacional em pleno emprego. O Federal Reserve manipulava a taxa oficial de juros, elevando-a para forçar o estouro de bolhas "excessivas" e reduzindo-a em seguida para apressar a recuperação da economia e minimizar as consequências da crise.
Dessa forma, um certo keynesianismo inconfessado era praticado pela superpotência capitalista. Agora, com o estouro de bolhas imobiliárias, surge uma crise tão forte que abala as mais importantes companhias financeiras do Primeiro Mundo e destrói trilhões de dólares de capitais fictícios acumulados nas Bolsas de Valores. Os principais governos logo reconhecem que esta crise não pode mais ser contida apenas pela redução das taxas oficiais de juros (hoje quase zeradas) e apelam para o arsenal keynesiano de políticas de fomento do consumo, do investimento e do emprego.
Até agora, os pacotes de estímulo dos governos não têm conseguido impedir que a crise encolha o crédito e comprima a demanda efetiva, o que resulta em queda quase universal da atividade econômica e aumento do desemprego. Isso confirma o pessimismo dos bancos, que racionam o crédito e o encarecem; das empresas, que adiam as inversões, reduzem a produção e demitem os trabalhadores; e dos consumidores, que restringem os seus gastos, assustados com a ameaça do desemprego.
A julgar pela única experiência histórica disponível, a da crise de 1929, o instrumental keynesiano funciona desde que os governos o empreguem com rapidez e intensidade para reverter as expectativas dos agentes econômicos. O pânico, que se apossou das finanças, contaminou a mídia e a opinião pública e até o momento não cedeu diante das ações de fomento anunciadas pelos governos.
Estas só podem alcançar seus objetivos se forem imitadas pelos detentores de meios próprios para consumir mais do que o essencial e para investir o dinheiro não gasto na ampliação da capacidade de produção. Há políticas disponíveis para abreviar a presente e prevenir as futuras crises. Quais são elas, no entanto, é tema para um outro artigo.

PAUL SINGER , 76, economista, é professor titular da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).

Japão quer estimular volta de trabalhadores brasileiros

Japão quer estimular volta de trabalhadores brasileiros
Em grave crise, país cria pacote emergencial para "retorno harmonioso" de decasséguis


Embaixador japonês vê "extrema dificuldade" para imigrantes brasileiros "como desemprego e educação dos filhos"

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Fonte: Folha de São Paulo

Com a maior queda do PIB em 34 anos e o fechamento de 65 mil vagas de trabalho, o Japão, segunda maior economia do mundo, decidiu apresentar um plano de emergência para, em última instância, criar condições para a repatriação dos decasséguis (brasileiros descendentes de japoneses) ao Brasil. Estima-se que haja 320 mil deles vivendo hoje no país, além dos 180 mil que já foram e voltaram ao longo dos anos.
Em carta ao governo brasileiro, com data da sexta-feira, o embaixador do Japão em Brasília, Ken Shimanouchi, admite a "situação de extrema dificuldade em vários aspectos, como desemprego e educação dos filhos, pela qual passam os nipo-brasileiros residentes no Japão" e enumera cinco itens de apoio a eles.
O item quatro prevê que o governo recorrerá a três instâncias para facilitar a vida dos que desistam de ficar no Japão e prefiram voltar: ao país de origem, ao setor industrial e às companhias aéreas, de forma a criar o que ele chama de "retorno harmonioso". Não especificou, porém, qual será a contribuição do próprio governo japonês para a volta, nem a expectativa de quantos poderão seguir esse caminho.
Desde o agravamento da crise, houve protestos de decasséguis em cidades japonesas.
Outros itens preveem facilidades para o ingresso em escolas públicas de crianças que tenham dificuldades para entrar em escolas para estrangeiros; apoio na busca de empregos, inclusive com aumento de intérpretes e de centros de atendimento específico; concessão de auxílio-moradia para os que perderem o emprego; e criação de um site para informações multilíngues, com campanhas de divulgação no exterior.
O movimento de imigração de decasséguis para o Japão começou e recrudesceu a partir da década de 1980, quando o Brasil vivia grave crise. Agora, o movimento é inverso.
O embaixador destacou na correspondência para o governo brasileiro que o premiê, Taro Aso, que já morou no Brasil, está empenhado em tratar diretamente da questão e criou a Equipe para a Promoção de Políticas para Estrangeiros, instalada no seu próprio gabinete. Foi esse grupo que preparou as medidas.
Ao incluir a possibilidade de retorno como item quatro, em meio a medidas no sentido exatamente contrário, a avaliação é que o governo japonês gostaria de enviar os brasileiros de volta, mas sem admitir que, na situação de hoje, são um problema a mais num mar de problemas gerados pela crise.
A queda do PIB japonês, de 3,3% nos três últimos meses de 2008, foi a maior do país desde a crise do petróleo de 1974. Os resultados são ainda piores do que os já dramáticos apresentados em parte da Europa, como Alemanha, Reino Unido e Espanha.
A explicação para a queda está, segundo os analistas, na redução de exportações, principalmente no setor de carros e eletrônicos, fortemente atingidos pela retração internacional e na demanda interna.
Com isso, o desemprego também cresce exponencialmente. Como estrangeiros, os decasséguis tendem a ser os principais prejudicados, inclusive os que trabalham sem regulamentação em setores como construção civil e empacotamento de marmitas.

COQUETEL ANTI-AIDS Farmanguinhos entrega 1º lote de Efavirenz nacional

COQUETEL ANTI-AIDS
Farmanguinhos entrega 1º lote de Efavirenz nacional ITALO NOGUEIRA
DA SUCURSAL DO RIO
Fonte: Folha de São Paulo

A entrega das primeiras unidades do Efavirenz -remédio do coquetel contra a Aids- de produção brasileira serviu como palanque para o diretor da Farmanguinhos, Eduardo Costa, defender mudanças na gestão da unidade da Fiocruz.
Costa listou dificuldades na produção do medicamento e pediu que a Farmanguinhos deixe "de ser suporte ao programa de atenção básica para desenvolver e produzir medicamentos de alto valor". O ministro José Gomes Temporão (Saúde) criou um grupo de trabalho para estudar a flexibilização da gestão da unidade.
O Efavirenz, um dos 17 medicamentos do coquetel anti-Aids, foi produzido pela Farmanguinhos com o laboratório Lafepe e consórcio privado após polêmico licenciamento compulsório. Criado pelo laboratório Merck, foi declarado objeto de interesse público pelo governo federal em 2007.
Neste ano, serão produzidos 15 milhões de comprimidos, metade da demanda nacional (completada com produto da Índia, usado desde 2007) -todo o consumo deve ser atendido em 2010.
A produção brasileira será 32,6% mais cara do que a indiana (R$ 1,35 o preço do comprimido contra R$ 1,04), mas Temporão diz que, com a iniciativa, o Brasil "reduz a dependência de tecnologia de fora e passa a desenvolver a sua própria".

Demanda federal
A Farmanguinhos só pode produzir sob demanda do ministério e vender o raro excedente dessa produção. Costa afirma que, com uma produção em larga escala, os remédios ficariam mais baratos e poderiam ser enviados para a África e vendidos a baixo custo para países do Mercosul, além de outros Estados e municípios.
A unidade é vinculada à Fiocruz -fundação ligada ao Ministério da Saúde-, que tem verba definida pelo orçamento e depende da liberação por parte do governo federal. Ele está estimado neste ano em R$ 1,5 bilhão, dos quais R$ 250 milhões para a Farmanguinhos.
O governo pretende produzir outros dois medicamentos do coquetel anti-Aids: o tenofovir e o atazanavir -este último patenteado.

Ações para obter remédios registram 1ª queda em SP

Ações para obter remédios registram 1ª queda em SP Segundo governo paulista, demandas judiciais caíram 22,5% entre 2007 e 2008

Custos com essas demandas são crescentes; Ministério da Saúde gastou no ano passado o triplo do que havia despendido em 2007

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Fonte: Folha de São Paulo

O número de ações judiciais para a aquisição de medicamentos caiu 22,5% no Estado de São Paulo em 2008, em relação a 2007. É a primeira vez que o governo paulista registra queda nesse tipo de ação, que nos últimos cinco anos consumiu cerca de R$ 500 milhões.
Em todo o país, os custos com essas demandas são crescentes. O Ministério da Saúde, por exemplo, gastou no ano passado R$ 52 milhões com a compra de remédios determinada pela Justiça, o triplo do que havia despendido em 2007.
No Estado de São Paulo, 3.098 pessoas obtiveram remédios por via judicial em 2008, quase 900 a menos do que em 2007 (3.996), segundo levantamento da Secretaria de Estado da Saúde obtido pela Folha.
Para o governo paulista, a queda nas ações está diretamente relacionada a uma operação policial que, no ano passado, prendeu nove pessoas sob a acusação de forjarem receitas médicas para obrigar, por meio de demandas judiciais, a Secretaria de Estado da Saúde a comprar remédios para 15 pessoas com psoríase (doença inflamatória da pele).
A estimativa da secretaria é que em torno de 50% dos casos de ações obrigando o fornecimento de drogas que não constam na lista do SUS tenham algum desvio de finalidade.
"Em 2008, ano em que a Secretaria da Segurança aprofundou as investigações nessa área, houve pela primeira vez essa redução, o que indica que algumas pessoas que agiam de má fé no ajuizamento de ações para ludibriar o Judiciário recuaram. Estavam brincando com algo que não se brinca, que é a saúde das pessoas", afirma o secretário estadual da Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata.
Segundo ele, o maior número de ações judiciais se refere às drogas imunobiológicas e aos medicamentos para câncer. "Há um grande número de determinações para os chamados medicamentos "de marca". Ou seja, há determinados remédios que a secretaria distribui, mas alguns médicos prescrevem remédios pela marca. O juiz desconhece que a prescrição deveria ser pelo nome genérico e acaba determinando que entreguemos o que está escrito na receita", diz Barradas.
Marília Casseb, superintendente da ABCâncer (Associação Brasileira do Câncer) defende que a secretaria explicite quais são os medicamentos sob suspeita. "Gostaríamos de saber quais são essas drogas e para quais tipos de câncer elas se destinam. Na nossa experiência, não vemos má fé [no ajuizamento de ações]. São pessoas que realmente precisam desses medicamentos para continuarem vivas."
A ABCâncer, entre outras ações, orienta pacientes oncológicos sobre seus direitos.
Outra estratégia da secretaria para frear o número de ações tem sido intensificar o diálogo com promotores e juízes, esclarecendo sobre o trabalho de assistência farmacêutica desenvolvido pelo SUS, os critérios adotados pelo governo federal para o registro de novos medicamentos e para a inclusão dos produtos na relação dos itens distribuídos na rede pública de saúde.
"Mostramos que temos um processo administrativo eficiente e que não é necessário ajuizar ações para receber medicamentos", explica Barradas.

Ministério da Saúde
Um levantamento do Ministério da Saúde do ano passado mostrou que 60% dos pacientes que ingressam com ações poderiam ser tratados com remédios similares, disponíveis no SUS. Os outros 40% pedem drogas de última geração, algumas das quais não estão aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Para conter o avanço das ações judiciais, o governo federal aposta na aprovação de um projeto de lei que tramita no Senado (de autoria do petista Tião Viana) e que estabelece que a oferta de medicamentos pelo SUS aconteça somente com base em prescrições amparadas em protocolos clínicos aprovados pelo ministério.
As ONGs entendem que, se aprovado dessa forma, o projeto poderá impedir que as pessoas recorram à Justiça para ter acesso a medicamentos de alta complexidade ainda sem registro na Anvisa.
A polêmica sobre a distribuição de remédios excepcionais também chegou ao Supremo Tribunal Federal, que deve julgar até o final do ano um recurso definindo como deve ser a oferta de medicamentos não-incluídos na lista de drogas fornecidas pelo ministério.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Papel de florestas tropicais emergentes opõe especialistas

Papel de florestas tropicais emergentes opõe especialistas

Por ELISABETH ROSENTHAL
Fonte: New York Times

CHILIBRE, Panamá - O terreno onde Marta Ortega de Wing criava porcos até dez anos atrás está sendo tomado pela selva galopante -palmeiras, lagartos e formigas. Em vez de plantar, hoje ela compra no supermercado, e seus filhos e netos vivem em lugares como a capital Cidade do Panamá e Nova York.
No Panamá e em outros países tropicais, pequenas propriedades como a de Ortega -e também outras muito maiores- estão sendo devolvidas à natureza conforme as pessoas abandonam suas terras e mudam-se para as cidades em busca de uma vida melhor.
Essas florestas "secundárias" estão surgindo tão rapidamente que a tendência provocou um debate sobre se salvar as florestas primitivas -uma causa ambiental emblemática- talvez seja menos urgente do que se pensava. Segundo uma estimativa, para cada hectare de floresta tropical derrubado por ano, mais de 50 hectares de novas florestas crescem em locais que já foram plantados, desmatados ou destruídos por desastres naturais. "Isso é muito mais floresta do que havia há 30 anos", disse Ortega, 64.
Para alguns cientistas, as novas selvas poderão superar os efeitos da destruição da floresta tropical ao absorver dióxido de carbono, o principal gás do efeito estufa ligado ao aquecimento global, um papel crucial das florestas tropicais. Elas também poderiam, em menor escala, fornecer um hábitat para espécies ameaçadas.
A ideia provocou revolta entre ambientalistas que acreditam que esforços vigorosos para proteger a floresta nativa devem continuar sendo uma das principais prioridades. Mas ganhou força em organizações importantes como o Instituto Smithsonian e a ONU, que em 2005 concluiu que os benefícios ambientais das novas florestas estavam sendo "subvalorizados".
"Os biólogos estavam ignorando enormes tendências populacionais e agindo como se só a floresta original tivesse valor de conservação, o que é errado", defende Joe Wright, cientista do Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical no Panamá.
"Isto é uma floresta tropical de verdade?", ele perguntou, caminhando pela terra de uma antiga plantação de cacau americana que foi abandonada há 50 anos e apontando para figueiras, vastas teias de aranhas e macacos bugios. "Um botânico pode olhar para as árvores daqui e saber que isto é uma rebrotação. Mas a temperatura e a umidade estão certas. Veja o [grande] número de aves. Isto funciona, é um hábitat adequado."
Wright e outros dizem que a proteção excessiva das florestas tropicais não apenas impede que pessoas pobres se beneficiem de sua terra, como também rouba financiamento e atenção de outras abordagens do combate ao aquecimento global, como eliminar as usinas a carvão.
Outros cientistas discordam, dizendo que a proteção das florestas tropicais é especialmente importante diante da ameaça da agricultura e de madeireiras industriais. "Sim, há florestas crescendo de novo, mas nem todas as florestas são iguais", disse Bill Laurance, outro cientista graduado no Smithsonian, que trabalhou extensamente na Amazônia.
Ele resmunga ao ver a terra de Ortega. "Isto é uma caricatura de floresta tropical!", disse. "Não há abóbada vegetal, há luz demais, apenas algumas espécies." Enquanto novas florestas podem absorver as emissões de carbono, ele diz, é improvável que elas salvem a maioria das espécies ameaçadas, que não têm como alcançá-las.
Todo o mundo, incluindo Wright, concorda que a destruição da floresta tropical em grande escala na Amazônia ou na Indonésia deve ser contida ou administrada. O que se discute é como avaliar os custos e benefícios das florestas. Em dezembro último, nas negociações sobre o clima da ONU em Poznan, Polônia, ministros do Meio Ambiente do mundo concordaram com um novo programa para recompensar os países em desenvolvimento que evitarem o desmatamento. Mas pouco se sabe sobre as novas florestas, e elas não foram consideradas.
Deveriam ser, segundo Wright e outros cientistas. Cerca de 15 milhões de hectares de floresta tropical original estão sendo cortados todo ano, mas, em 2005, segundo a agência de alimentos e agricultura da ONU (FAO), havia cerca de 850 milhões de hectares de potenciais florestas substitutas crescendo nos trópicos -uma área quase tão grande quanto os EUA. Nas montanhas úmidas e luxuriantes do Panamá, é fácil ver a destruição da floresta tropical como parte de um ciclo de vários séculos de civilização e natureza. Os maias foram os primeiros a limpar as terras que hoje são uma densa floresta.
Mas Laurance diz que, no mundo moderno, a floresta está sendo derrubada para "florestamento industrial, agricultura, indústrias de gás e petróleo -e é algo globalizado, onde cada pedaço de madeira cortado no Congo é enviado para a China e uma escavadeira faz muito mais danos que mil agricultores com machados".
Wright enxerga possibilidades na floresta renascida. Segundo ele, pesquisas sugerem que 40% a 90% das espécies da floresta tropical podem sobreviver em novas florestas. Laurance se concentra no que faltará, listando espécies como onças e antas. Mas o destino das florestas secundárias não depende apenas da biologia. Uma recessão global poderá eliminar empregos nas cidades, levando os residentes de volta à agricultura. "Essas são questões para economistas e políticos, e não para nós", disse Wright.

Desemprego ameaça estabilidade global

Desemprego ameaça estabilidade global

Onda de demissões avança pelo mundo, e agência da ONU diz que 50 milhões de empregos podem ser perdidos

DO "NEW YORK TIMES"

Desde advogados em Paris até operários de fábricas na China e seguranças na Colômbia, as fileiras dos desempregados estão inchando rapidamente em todo o mundo.As perdas de empregos decorrentes da recessão que começou nos Estados Unidos em dezembro de 2007 podem chegar a estarrecedores 50 milhões até o final deste ano, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma agência das Nações Unidas. A recessão já levou à perda de 3,6 milhões de empregos nos Estados Unidos.
Os altos índices de desemprego, especialmente entre trabalhadores mais jovens, já levaram a protestos em países tão diversos quanto Letônia, Chile, Grécia, Bulgária e Islândia e contribuíram para greves no Reino Unido e na França.No mês passado o governo da Islândia, país cuja economia está prevista para se contrair em 10% neste ano, caiu, e o primeiro-ministro adiantou as eleições nacionais, após semanas de protestos enfurecidos.Na semana passada, o novo diretor de inteligência nacional dos Estados Unidos, Dennis C. Blair, afirmou ao Congresso que a instabilidade causada pela crise econômica global já é a maior ameaça à segurança norte-americana, passando o terrorismo."Quase todo o mundo foi pego de surpresa com a rapidez com que o desemprego vem crescendo, e quase todos estão sem saber como reagir", disse Nicolas Véron, do centro de pesquisas Bruegel, em Bruxelas, na Bélgica.
Em economias emergentes como as da Europa Oriental, teme-se que o desemprego crescente possa incentivar um afastamento da política de livre mercado, pró-ocidental, enquanto, nos países desenvolvidos, o desemprego pode reforçar o protecionismo.De fato, alguns pacotes de estímulo europeus, além do plano de US$ 787 bilhões aprovado nos Estados Unidos anteontem, incluem proteções para empresas domésticas, elevando a probabilidade de batalhas comerciais protecionistas.
Enquanto o desemprego vem crescendo nos EUA desde o final de 2007, só recentemente as demissões na Europa, na Ásia e no mundo em desenvolvimento ganharam ritmo.
O FMI prevê que até o fim do ano o crescimento econômico global chegue ao nível mais baixo desde a Grande Depressão dos anos 1930, segundo Charles Collyns, vice-diretor do departamento de pesquisas do Fundo. De acordo com o FMI, o crescimento mundial "virtualmente parou", e a previsão é que as economias desenvolvidas encolham 2% neste ano."É a pior situação desde 1929", disse o ministro do Emprego da França, Laurent Wauquiez. "O que é novo agora é que a situação é global, e estamos sempre falando sobre isso. Está em todos os países."
Na Ásia, qualquer atitude de satisfação arrogante que possa ter existido por suas economias terem escapado de ser prejudicadas pela dívida de alto risco americana foi apagada pelo desespero crescente gerado pela queda das vendas dos maiores exportadores.
Milhões de trabalhadores migrantes na China continental estão procurando trabalho, mas constatando que as fábricas estão sendo fechadas. Embora essas manifestações não tenham sido tão grandes quanto as da Grécia ou as do Báltico, já houve dezenas de protestos em fábricas individuais na China e na Indonésia.
Os chamados por protecionismo vêm encontrando eco entre um público assustado. No Reino Unido, empregados de refinarias e usinas elétricas fizeram greve em protesto contra o uso de trabalhadores da Itália e de Portugal numa obra.
A expectativa é que até meados do ano que vem o desemprego no Reino Unido chegue a 9,5%, contra 6,3% no momento; na Alemanha, pode subir de 7,8% para 10,5%. Mesmo a Índia estancou. Cerca de 500 mil pessoas perderam seus empregos entre outubro e dezembro do ano passado.

Restringir para proteger

Restringir para proteger

FLÁVIA PIOVESAN e TAMARA AMOROSO GONÇALVES
Fonte: Folha de São Paulo

Qual seria o regime mais adequado à proteção dos direitos das crianças? Seria razoável a imposição de limites à publicidade?

O CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) está cada vez mais rigoroso com relação à fiscalização da propaganda infantil. Se em 2007 sete comerciais foram suspensos pelo órgão, em 2008 o número foi para 17.Qual seria o regime mais adequado à proteção dos direitos das crianças? Seria razoável a imposição de limites à publicidade infantil? Isso significaria uma restrição arbitrária à liberdade de comércio? Como equilibrar os direitos das crianças com a liberdade empresarial?
O tema ganha especial destaque no Legislativo, a partir de projeto de lei que determina a proibição de qualquer comunicação mercadológica destinada a crianças, aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara em 2008 e sob a apreciação da Comissão de Desenvolvimento Econômico, cujo parecer do relator defende ser a publicidade uma "atividade virtuosa, e não viciosa".
De acordo com o projeto, entende-se por comunicação mercadológica: "Toda e qualquer atividade de comunicação comercial para a divulgação de produtos e serviços, independentemente do suporte, da mídia ou do meio utilizado", o que abrange "a própria publicidade, anúncios impressos, comerciais televisivos, "spots" de rádio, "banners" e "sites" na internet, embalagens, promoções, "merchandising" e disposição dos produtos nos pontos-de-venda".
A comunicação mercadológica dirigida às crianças é aquela que faz uso de cenários fantasiosos, cores, músicas, personagens infantis e crianças modelo protagonizando os filmes publicitários. Pesquisas comprovam o impacto da propaganda endereçada à criança: contribui para a obesidade infantil (e outros distúrbios alimentares e doenças associadas), a erotização precoce, o estresse familiar e a violência, entre outros.
Na maioria dos países desenvolvidos e com forte tradição democrática -como Suécia, Inglaterra, Alemanha-, a restrição à publicidade que se dirige às crianças não contou com a resistência das empresas. Nos EUA e na Europa, as empresas multinacionais têm concordado com essa política de "autolimitação", comprometendo-se a restringir significativamente a publicidade destinada às crianças.O mesmo não tem ocorrido no Brasil. No caso brasileiro, qualquer iniciativa de restrição e limitação suscita acirradas manifestações por parte do setor empresarial, sob o argumento de que tais propostas constituiriam atos de censura ou cerceamento da liberdade de expressão.
Não bastando a duplicidade de políticas empresariais adotadas em países desenvolvidos e em desenvolvimento, não há que confundir a publicidade e a liberdade de expressão.A liberdade de expressão é direito consagrado no âmbito internacional e interno, enunciado em instrumentos de proteção de direitos humanos. Trata-se de um direito assegurado às pessoas físicas, abrangendo a livre manifestação do pensamento político, filosófico, religioso ou artístico. O alcance de tal direito não compreende a publicidade -atividade que utiliza meios artísticos visando essencialmente à venda de produtos.
Diferentemente de reportagens jornalísticas, veiculadas nos mais diversos meios de comunicação, a publicidade necessita adquirir um espaço na mídia para se alojar. A sua lógica é a mercantil, orientada pela equação de compra e venda de produtos.
Os parâmetros internacionais e constitucionais endossam a absoluta prevalência dos interesses da criança, seu interesse superior e a garantia de sua proteção integral, na qualidade de sujeito de direito em peculiar condição de desenvolvimento.
Nesse sentido, destacam-se a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, a Constituição do Brasil de 1988 e o ECA. Ademais, organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde e o Comitê Permanente de Nutrição, reconhecem que a publicidade tem um papel central no desencadeamento de problemas alimentares, como a obesidade infantil.
Como a criança encontra-se em processo de desenvolvimento biopsicológico, não tem o discernimento necessário para compreender o caráter da publicidade, o que torna seu direcionamento às crianças abusivo e, por conseguinte, ilegal.
O clamor é o mesmo: a proteção da infância merece prevalecer ante o ilimitado exercício da atividade comercial concernente à comunicação mercadológica destinada às crianças.Na agenda brasileira, emergencial é disciplinar o exercício da atividade publicitária. Restringir a publicidade endereçada às crianças não é ato de censura e tampouco ofensa à liberdade de expressão. É imperativo ético na defesa e proteção à infância.
FLÁVIA PIOVESAN , doutora em direito constitucional e direitos humanos e professora da PUC-SP, PUC-PR e Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha), é procuradora do Estado de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. TAMARA AMOROSO GONÇALVES é advogada e mestranda em direitos humanos pela USP.