quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Fetee-Sul divulga pesquisa sobre a saúde de trabalhadores técnicos e administrativos do ensino privado

Fetee-Sul divulga pesquisa sobre a saúde de trabalhadores técnicos e administrativos do ensino privado

Fonte: FeteeSul




Na tarde de hoje, dia 30 de setembro, a direção da Federação dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino Privado do RS (Fetee/Sul), realizou uma coletiva de imprensa para divulgar os resultados da pesquisa intitulada “Condições de Trabalho e Saúde dos trabalhadores técnicos e administrativos das instituições de ensino privado do Rio Grande do Sul”. O trabalho foi realizado pelo Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat).
O objetivo da iniciativa foi identificar a qualidade do ambiente de trabalho e mapear doenças ocupacionais (físicas e emocionais) destes profissionais, para posteriormente subsidiar os sindicatos na implementação de campanhas de prevenção e negociação de cláusulas para a Convenção Coletiva de Trabalho.
Dos 19.217 mil trabalhadores deste setor no Rio Grande do Sul, a pesquisa, iniciada em abril de 2008, ouviu 2.800 pessoas − 14,5% da categoria −, abrangendo todas as regiões do Estado. O estudo foi efetuado em duas etapas: a primeira por meio de entrevistas pessoais e a segunda através de questionários.

“Os dados obtidos indicam que a situação é muito pior do que a nossa sensibilidade percebia. A maior surpresa está nos altos números, pois não pensávamos que havia, por exemplo, tantas pessoas trabalhando com dor”, comenta o Diretor de Saúde e Educação da Fetee-Sul e diretor de Administração do Sindicato dos Trabalhadores em Administração Escolar no Rio Grande do Sul (SintaeRS)

Para o coordenador técnico da pesquisa, Wilson Campos, do Diesat, não é possível tratar o adoecimento no local de trabalho como algo individual, mas deve ser abordado como uma questão coletiva. “Isso demanda uma atenção dos estabelecimentos de ensino e da comunidade escolar, pois os números evidenciam que o sofrimento físico, através das dores, atinge 76% da amostra. E 63% identificaram algum tipo de sofrimento mental relacionado ao trabalho.”

Perfil do trabalhador em escolas
Os trabalhadores técnicos e administrativos das instituições de ensino são todos aqueles que não exercem a docência. Alguns deles são: bibliotecários, orientadores escolares, pedagogos, secretárias, assistentes sociais, profissionais de limpeza e manutenção, eletricistas, etc. A população é predominantemente feminina (61%), sendo a maioria com até 35 anos.

Contatos para entrevistas

- Luiz Gambim – Diretor de Saúde e Educação da Fetee-Sul e diretor de Administração do Sindicato dos Trabalhadores em Administração Escolar no Rio Grande do Sul (SintaeRS)
Contatos | (51) 8188.0392 e gambim@sintaers.com.br

- Wilson Campos – DIESAT - Coordenador Técnico da Pesquisa - Psicólogo pela USP, especialista em Saúde Coletiva pela Unifesp
Contatos | (11) 3399-5673/8181-0023 e wilson@diesat.org.br

Entidades filiadas à Fetee-Sul | Sindicato dos Trabalhadores em Administração Escolar no Rio Grande do Sul (SintaeRS), Sindicato dos Auxiliares em Administração Escolar de São Leopoldo e Região (SAAESL), Sindicato dos Auxiliares em Administração Escolar de Caxias do Sul e Região (SAAE Caxias), Sindicato dos Trabalhadores de Estabelecimentos de Ensino (SINTEE Norte-RS) e Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino Privado (Sinteep – Noroeste-RS).

Jornalista Dóris Fialcoff
Verbo Impresso – Agência de Comunicação
(51) 9606.0155 | verboimpresso@terra.com.br

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Entrevista: Pressão em excesso faz mal

Entrevista: Pressão em excesso faz mal

Fonte: Jornal Extra Classe - Edição Especial / Sinpro/RS

Wilson Cesar Ribeiro Campos é psicólogo pela USP, especialista em saúde coletiva pela Unifesp e pesquisador do Diesat, que coordenou toda a pesquisa com os docentes no Rio Grande do Sul. Nesta entrevista ao Extra Classe, ele analisa e esclarece alguns pontos do trabalho e faz paralelos das principais queixas levantadas pelos professores, como falta de tempo para a devida preparação das tarefas docentes, aumento do cansaço devido à extensa jornada e ao número de atividades extraclasse, o grande número de atividades sem remuneração adicional e exercidas fora do horário da jornada e a excessiva pressão sofrida no trabalho. A pesquisa comprova que este quadro vem se agravando nos últimos anos, e o pesquisador destaca a queda significativa nas condições de trabalho e saúde no ensino privado.


Foto: René Cabrales

EC – Quais as principais características identificadas em relação ao assédio moral no ensino privado?
Wilson César Campos – O assédio moral no trabalho pode ser definido como qualquer conduta abusiva, como gestos, palavras, comportamentos ou atitudes, que atente, por sua repetição, contra a dignidade ou a integridade física ou psíquica de uma pessoa. A pesquisa apontou que 33% dos professores sentem-se assediados moralmente no trabalho por alunos. As chefias imediatas e as chefias superiores aparecem como fonte de assédio moral no trabalho para 31% dos professores. É importante ressaltar que este é um alto índice se comparado com outras pesquisas realizadas em outras atividades profissionais. Uma particularidade que gostaria de chamar a atenção é para o grande número de professores que indicam outros colegas professores como fonte de assédio moral no trabalho. Nesta situação encontram-se 23% dos professores. Podemos chamar de assédio moral horizontal, este exercido entre os próprios colegas, e que parece estar colocando em perigo a atividade do professor que sempre teve por base o espírito solidário e a tarefa de propiciar o crescimento conjunto.

EC – Estariam os professores sucumbindo à cultura da competitividade?
Campos – Esta conduta não-somente não é coibida pelas chefias e empresas, como em alguns casos, parece ser estimulada. Ou seja, este tem sido um mecanismo utilizado de forma indireta pelas escolas para manter o professor atento, buscando “trazer novos alunos”, “ vestir a camisa”, ficando sempre disponível, etc. Alguns podem até considerar que este tipo de ambiente colabora para aumentar a “produtividade” docente, mas somente levam a uma piora nas condições de trabalho e saúde. Primeiro temos que questionar esta lógica da produtividade quando aplicada à Educação, dentre outras razões, por somente estimular a reprodução de uma lógica que tem por base a exploração máxima e o desrespeito aos limites físicos e mentais. Há 30 anos, os sindicatos de trabalhadores se reuniram para criar o Diesat afirmando o lema que permanece atual: saúde não se troca por dinheiro.

É necessário advertir que a conduta do assédio moral é a base para o sofrimento físico e mental em larga escala, que passa a atingir a todos levando a uma deterioração ainda maior das relações e da organização do trabalho.

EC – É comum aparecer em outras profissões um índice tão alto (41%) de trabalhadores que têm outra fonte de renda?
Campos – É importante relacionar este alto índice com o grande número de professores que exercem atividades docentes sem remuneração adicional. A pesquisa indica que 74% dos docentes exercem mais de 4 horas por semana nestas atividades, sendo que 44% dos professores acabam por dedicar mais de 8 horas semanais em atividades sem remuneração adicional. Outro fator relacionado a este aspecto revelado pela pesquisa é que 33% dos professores entrevistados alegaram ter enfrentado algum tipo de dificuldade financeira grave nos últimos três meses.

Embora nos últimos anos trabalhadores de diversos setores econômicos tenham conseguido certa recuperação em sua renda, no caso do professorado há que se salientar uma imensa demanda por aprimorar constantemente sua formação, muitas vezes acadêmica, e sua bagagem cultural, o que demanda um grande e constante investimento. Além disso, é importante salientar que este alto índice aponta para outra fragilidade do trabalho docente, a necessidade de complementar sua remuneração exercendo outras funções.


Foto: René Cabrales

EC – Como você avalia o elevado percentual de trabalho extraclasse?
Campos – As instituições de ensino tem se utilizado, cada vez mais, da tecnologia de comunicação como ferramenta para ampliar o número de atividades e manter o professor sempre conectado. Estas ferramentas se por um lado aparentam facilitar o trabalho docente, por outro acabam por induzir e exigir que o professor assuma atividades adicionais. Algumas destas atividades eram antes exercidas por outros profissionais, outras são novas, que vêm ser adicionadas à extensa lista de funções do professor. Uma das características deste modelo é poder ser realizado a qualquer hora e em qualquer lugar, seja na própria instituição de ensino, no horário de intervalo, após o final das aulas, ou mesmo à distância, diretamente da casa do professor, à noite ou aos finais de semana. Lembro-me de algumas frases que traduzem bem esta realidade: “o professor é 24 horas por dia professor”, “o professor tem que estar sempre à disposição da instituição, dos alunos, dos pais, da chefia, a todo o momento, em qualquer hora”, ou “chego em casa e mal falo com meus filhos, vou direto para o computador, responder email, inserir notas, fazer relatório”. Os impactos deste excesso de atividades para a saúde física e mental são evidentes e eles se manifestam nas relações familiares e sociais, na ausência de tempo para lazer, para estudo, para descanso. A pesquisa indica que 70% dos professores frequentemente exercem tarefas docentes fora de seu horário de trabalho, sendo que quase 30% acabam por também exercer tarefas que estão além de sua função.

EC – Como pode ser explicada a grande incidência de problemas alérgicos?
Campos – O esgotamento físico e mental é um dos fatores que contribui para uma queda da capacidade imunológica, que está relacionada com a capacidade do organismo de enfrentar agentes alérgicos. Existem vários sintomas que indicam o surgimento de alergias como os resfriados constantes, espirros, dores de cabeça, coceiras e coriza, dentre outros. Os fatores ambientais tradicionais como poluição e poeira são potencializados, no caso dos professores, por um agudo quadro de cansaço físico e mental que contribui para o surgimento de quadros alérgicos.

EC – Qual a relação existente entre os 78% de professores que apontaram cansaço e esgotamento frequentes nos últimos seis meses com a atividade docente?
Campos – Este cansaço e esgotamento físico e mental estão diretamente relacionados ao trabalho destes profissionais, sobretudo se recordarmos as queixas de excesso de trabalho, de tarefas e atividades extraclasse, a pressão e o assédio moral no trabalho. Além disso, em vários momentos durante as entrevistas os professores deixaram claro alguns períodos ao longo do ano letivo onde este cansaço e esgotamento são intensificados, como ao final do ano letivo, período de avaliações e fechamento de notas. Cerca de 45% dos professores entrevistados apresentaram algum problema de saúde física ou mental relacionado ao seu trabalho, sendo que 39% precisou se ausentar do trabalho por ao menos um dia em razão destas doenças.

EC – Como é avaliado o índice de utilização de medicamentos (20%)?
Campos – Com extrema preocupação. Sobretudo porque a medicalização parece estar sendo utilizada para manter o professor em atividade, ou seja, o professor que está adoecendo e sofrendo por conta de seu trabalho passa a utilizar estimulantes e antidepressivos para poder manter-se trabalhando, ao passo que utilizam calmantes ou outros tipos de medicamentos para poder descansar e dormir. É importante notar que em outras atividades profissionais este mesmo expediente perigoso é utilizado, talvez o mais conhecido seja o “rebite”. Levantamos que os professores têm recorrido a medicamentos estimulantes, calmantes ou tranquilizantes, antidepressivos, para memória e para auxiliar no sono. Em alguns dos casos, recorrendo à automedicação, o que constitui um risco ainda maior.

EC – A sensação de não dar conta de tudo que se tem para fazer no dia pode estar diretamente ligado aos distúrbios do sono?
Campos – O acúmulo crescente de tarefas e atividades que são colocadas sob responsabilidade do professor leva a um aumento significativo da sensação de não ser capaz de dar conta de tudo o que se tem para fazer no dia de trabalho, o que é relatado como frequente por 42% dos entrevistados. Os problemas e dificuldades relacionados ao sono atingiram 59% dos entrevistados nos últimos seis meses, sendo que esta frequência tem sido maior em razão de preocupações em 36% dos professores entrevistados. Estes problemas mantêm relação direta com a quantidade excessiva de atividades e tarefas e a sensação de impotência para dar conta destas. Nas entrevistas, os professores relataram a preocupação crescente e angustiante com esse volume de tarefas. É importante também adicionarmos a capacidade de manter concentração naquilo que faz. Quase a metade dos professores tem sentido dificuldades de concentração em tarefas mais do que usualmente.

EC – Em que momentos pode ser identificada a Síndrome de Burnout nesta pesquisa?
Campos – Dois aspectos principais devem ser observados quando falamos de Síndrome de Burnout. Em primeiro lugar, ela tenta descrever o processo de esgotamento psíquico no trabalho que fica evidente quando 47% dos professores afirmam se sentir constantemente esgotados e sob pressão mais do que o habitual, sendo que este número sobe para 78% quando considerados os últimos seis meses. Em segundo lugar, o processo de aumento significativo de irritação e impaciência que 41% dos professores alegam sentir frequentemente. É justamente esse o quadro descrito pelo que chamamos Síndrome de Burnout, ou seja, um sentimento de exaustão, de perda de enorme energia e de impotência para ação. É um processo lento que vai sendo desenvolvido vagarosamente, sobretudo através de uma situação de trabalho que o trabalhador não suporta mais, mas que também da qual não pode desistir.

EC – E os 17% que admitem sofrer violência na escola?
Campos – Muito preocupante, pois professores vivenciando ou presenciando violência na escola é um fator que vem se somar em um processo de desgaste físico e mental, de ruptura de relações no trabalho e de um mal-estar do trabalho docente que formam um conjunto complexo. Em um contexto de trabalho que agrava a saúde dos professores, situações de violência tendem a dificultar ainda mais este quadro. Este é um debate que deve ser aprofundado, seria a violência vivenciada na escola totalmente desconectada do contexto de sofrimento no trabalho dos professores? Considero que esta e outras questões devam ser respondidas coletivamente.

EC – O professor do ensino privado costuma trabalhar com dor?
Campos – Trabalhar sentindo algum tipo de dor parece ser uma constante na atividade docente. No caso dos professores do ensino privado gaúcho, encontramos que a grande maioria dos docentes que foram entrevistados alega que já trabalharam sentindo algum tipo de dor. Os docentes dizem que as regiões mais afetadas pelas dores são costas, cabeça, pernas e pés, ombros e braços. Outro fator que chama a atenção é que 44% dos entrevistados possuem diagnóstico de algum tipo de doença relacionada aos músculos, ossos ou articulações onde se destacam as tendinites, bursites e artrites.

Escolas privadas tratam o estudante como mercadoria

Escolas privadas tratam o estudante como mercadoria


Cassio Bessa, da FeetSul/RS, durante divulgação da pesquisa em Porto Alegre (RS)./ Crédito: Thais Brandão

Fonte: Chasque Agência de Notícias

Em entrevista, o coordenador-geral da Federação dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino Privado do estado (Feet/RS), Cassio Bessa, comenta a pesquisa encomendada pelos sindicatos da categoria que revelam as más condições de trabalho do professor do ensino privado. Fato das escolas tratarem o estudante como mercadoria afeta qualidade na sala de aula e a saúde do docente, defende.

Porto Alegre (RS) - Pesquisa inédita feita pelo Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT) com 1.680 professores do ensino privado de todo o Rio Grande do Sul mostra que 49% faz tratamento com medicamentos ou outros procedimentos. No entanto, a porcentagem aumenta quando foram questionados sobre problemas de saúde em geral. Setenta e oito por cento dos profissionais disseram que sentiram esgotados nos últimos seis meses, sofrendo com dificuldade de concentração, perda de memória, estresse, ansiedade e até mesmo dores físicas.

Para o coordenador-geral da Federação dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino Privado do estado (Feet/RS), Cassio Bessa, o levantamento reflete as más condições de trabalho do setor. Na entrevista a seguir, ele comenta os resultados da pesquisa encomendada por sindicatos de trabalhadores da categoria e responsabiliza a concorrência entre as escolas privadas e a mercantilização da educação pela situação precária dos professores.

Quais são os resultados da pesquisa que mais destacas? A gente se surpreendeu com o resultado da pesquisa porque, apesar de já termos uma análise empírica da sobrecarga de trabalho que o professor do ensino privado tem no RS. Cada vez mais temos acúmulo de trabalho fora a hora-atividade, que é correção e preparação de aula. Hoje o professor tem inclusive via internet uma série de tarefas pedagógicas que não tinha há anos atrás. Então hoje o acúmulo de trabalho extraclasse, a pressão que se sofre na escola particular para aprovar aluno, para não perder aluno, para ter resultado; a própria questão da falta de limite e da indisciplina dos alunos - todas essas questões têm gerado um adoecimento cada vez maior dos professores. Isso a gente pode comprovar tanto na parte qualitativa da pesquisa como também nesse questionário da entrevista quantitativa. Uma série de perguntas foi feita ali e o questionário era muito grande. Apareceram pessoas doentes, trabalhando com dor; preocupantemente muita gente se auto-medicando, comparável ao que vemos nos caminhoneiros que tomam aquele rebite para agüentar nas estradas. A gente aqui na pesquisa tem um número muito grande de professor tomando estimulante, calmante, anti-depressivo, medicamento para ajudar no sono. Ou seja, tomando remédio para poder agüentar essa pressão. Pra nós, esse resultado é muito preocupante e muito surpreendente.

Como o adoecimento dos professores reflete na sala de aula? A gente tem visto inclusive nos resultados do Enem que a qualidade da escola privada tem decaído no RS. Entre os estados grandes é o que tem a menor diferença entre as escolas públicas e privadas. A gente sabe que existe uma série de questionamentos em relação ao Enem, mas notamos que a qualidade da educação não é a mesma exatamente por essas questões que a gente já vem denunciando há muito tempo em relação às condições de trabalho dos professores. Porque todo mundo acha que na escola privada os professores ganham bem e a gente está vendo que não é assim. Inclusive tem aparecido em novelas de audiência nacional essa problemática do estresse. E isso a gente realmente nota no dia-a-dia.

Na pesquisa, 35% dos professores disseram que sofrem pressão dos chefes imediatos. Isso se deve ao sistema do ensino privado? Esse constrangimento e essa humilhação que caracterizam o assédio moral hoje é muito decorrente do tratamento que a escola privada tem dado ao aluno, tratando-o como cliente. A gente tem até uma campanha nacional realizada pela nossa confederação (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE) de que educação não é mercadoria. Portanto, o aluno não pode ser tratado como cliente, ele é um educando. Existe muita pressão nessa concorrência entre as escolas para aumentar o número de estudantes; a gente sabe que hoje a concorrência entre as escolas é grande, que a classe média não tem mais tantos filhos como tinha. Existem muita redes, mesmo faculdades, disputando alunos presencialmente e à distância. Essa concorrência faz com que haja uma disputa de mercado muito grande no ensino privado. E é óbvio que essa pressão acaba refletindo na sala de aula, onde os chefes superiores cobram resultados como busca de alunos, aprovação por parte dos professores. E essa pressão repercute não somente no ensino, mas também na saúde do professor.

O estudante aparece como o principal provocador de assédio moral ao professor. A que isso se deve? Essa questão da falta de limites e da falta de cobrança das escolas por uma disciplina mais rígida e determinada nas escolas acaba gerando um ambiente muito permissivo - e a escola acaba não cobrando dos pais e nem colocam mais limites em seus alunos. Muitas vezes o professor acaba tendo que assumir sozinho ou passar por situações de constrangimento em relação a seus alunos. E muitas vezes o professor fica sem respaldo das direções das escolas. A gente ouviu muito na pesquisa qualitativa esse tipo de pressão.

Um dado preocupante na pesquisa é o alto índice de professores que se auto-medicam, inclusive com remédios que exigem a apresentação de receita médica para serem comercializados. Como o sindicato enxerga essa situação? Isso até surpreendeu a nós. Na questão que toca sobre a formação dos professores, vimos que o índice de formação é muito grande. A maioria tem graduação e, a grande maioria tem especialização e mestrado. E a gente se surpreendeu. Em relação aos estimulantes, por exemplo, 8% se automedica; tranqüilizante e calmante, 5% se auto-medica sem receita. É um índice muito grande vindo de pessoas esclarecidas, como os professores. E a gente pretende trabalhar os resultados dessa pesquisa, não somente para fazer essa cobrança ao Sinepe (Sindicato dos Estabelecimentos do Ensino Privado no RS), para que a gente possa ter na nossa convenção coletiva de trabalho algumas cláusulas que a gente já vêm tentando negociar e o Sinepe não reconhece, não encaminha alteração para melhorar essa questão na qualidade da saúde e condições de trabalho. Mas também a gente pretende utilizar a pesquisa para que os próprios professores possam se alertar. Pretendemos trabalhar prevenção a essas doenças dos professores. Queremos oferecer dicas, palestras e outros instrumentos para que os professores possam ter uma orientação melhor sobre essa situação.

Há alguma questão específica que surgiu na pesquisa e que o sindicato quer abordar na pauta de reivindicações junto às escolas? Sim. Neste ano que passou, na negociação em Março, colocamos algumas reivindicações. Por exemplo, que tivessem palestras, oficinas em todas as escolas, ao menos uma vez por semestre, que tratasse da prevenção dessas doenças dos professores. O Sinepe não quis discutir isso, diz que não poderia fazer nenhuma mudança no acordo coletivo. Da mesma forma o trabalho extraclasse. Reivindicamos que nós pudéssemos reservar uma das quatro reuniões pedagógicas que se tem na escola, para que o professor individualmente pudesse realizar esse trabalho extraclasse. Já seria o começo para tirar um pouco do excesso de trabalho que o professor tem. E também o limite de alunos por turma. A gente sabe que existem escolas e universidades com um número excessivo de estudantes em sala de aula, onde os professores não têm inclusive aparelhagem para, conforme as orientações médicas, poder falar no microfone, a fim de que não dê o problema de voz que a gente vê na pesquisa aqui. São fatores que nós vamos querer, pontualmente, debater com o Sinepe e mostrar para a sociedade que isso não pode continuar.

Por que os trabalhadores criaram o DIESAT

O Texto abaixo foi publicado em 1988 na Revista Psicologia: Ciência e Profissão e é um registro da história do Diesat trazendo um depoimento do então secretário geral Remígio Todeschini, que hoje integra o Ministério da Previdência Social.

Fonte: Psicol. cienc. prof. v.8 n.2 Brasília 1988

Por que os trabalhadores criaram o DIESAT

"O DIESAT (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho) foi criado, em 1979, como uma espécie de DIEESE da Saúde, por um conjunto de Sindicatos de diferentes categorias profissionais. Seu principal objetivo consiste em pesquisar, estudar, sistematizar e divulgar as correlações entre saúde/doença e trabalho, desde o ponto de vista dos trabalhadores, em suas reivindicações, em conjunto com os Sindicatos.

Remígio Todeschini, secretário geral do DIESAT, deu o seguinte depoimento:

"O DIESAT nasceu como resultado de uma comissão intersindical. Esta era composta de Sindicatos preocupados com as condições de trabalho versus doenças que estavam escondidas. A proposta foi a de fazer um trabalho técnico no sentido de subsidiar o movimento sindical nas suas reivindicações por melhores condições de trabalho.

A estruturação do DIESAT surgiu no sentido de reunir técnicos, médicos, economistas, psicólogos, cientistas sociais, que fizessem reflexões, pesquisas e estudos sobre saúde, do ponto de vista dos trabalhadores, contrapondo-se ao discurso oficial do governo que coloca a questão dos acidentes e das doenças ocupacionais como se nada mais fosse do que questão de 'educação' dos trabalhadores. Para o governo, o trabalhador sofre acidente ou adoece porque, na realidade, ele é inseguro, indisciplinado, desleixado. Contrário a este enfoque, o DIESAT tem feito uma série de estudos e pesquisas, demonstrando que determinados setores tanto de serviços quanto os industriais são realmente nocivos à saúde dos trabalhadores. Procuramos relacionar todos estes problemas de saúde com as condições de trabalho a que os trabalhadores estão submetidos no dia-a-dia.

Constatamos que a Previdência Social tem uma dificuldade muito grande de fazer o registro de acidentes e doenças profissionais. Hoje, os acidentes de trabalho no Brasil contam em torno de 1 milhão e 100 mil. Estes são aqueles comunicados pelo patronato e registrados pelo governo. Esse número oficial, para corresponder a um quadro real, deve ser no mínimo dobrado. Os acidentes com recuperação de pouco tempo (menos de 15 dias) nem chegam a ser registrados nas estatísticas oficiais. Além disso, as estatísticas oficiais contam somente a massa segurada da Previdência, que é em torno de 25 ou 26 milhões de trabalhadores. Quer dizer, o trabalhador subempregado e o rural estão todos colocados de fora destas estatísticas e dos benefícios.

Quanto às doenças profissionais, o número registrado no ano passado foi estimado em torno de 6 mil. Esse número, para corresponder à realidade, deveria ser 20 vezes maior. Isso sem falar que a doença mental nem está registrada entre as doenças profissionais. É como se não houvesse qualquer nexo causal entre a condição de trabalho e o problema da doença mental, mas de fato a doença mental está relacionada às condições de trabalho, através das quais se manifesta nas suas mais variadas formas".

Confirmando o depoimento de Remígio Todeschini, há um estudo do DIESAT onde se encontram as seguintes afirmações sobre neuroses e hipertensão arterial:

"As neuroses são o diagnóstico mais freqüente da Perícia do INPS, determinando o afastamento temporário do trabalho. São também a primeira causa de renovação deste afastamento. As doenças mentais, de um modo geral, são as mais freqüentes e quase única causa da aposentadoria por invalidez abaixo dos 40 anos".

"A severa desigualdade na distribuição de renda, a aceleração da expansão demográfica, a progressiva urbanização das populações, o afastamento dos vínculos familiares, a precariedade das habitações, a carência alimentar, as desigualdades de transporte e o desemprego são fatores de tensão e condicionadores de demanda crescente por assistência psiquiátrica. A pobreza em si e por si mesma coloca essa população mais vulnerável aos distúrbios psíquicos e empresta a estes um caráter de maior gravidade".

Reconhecendo as origens e vínculos das doenças mentais, este texto da Previdência omite a relação, freqüentemente mais estreita, entre trabalho e as condições, ambientes, formas e relação de produção, em que é exercido — e também fator determinante daquela e de outras doenças. O trabalho perigoso, insalubre, penoso, monótono, repetitivo; a aceleração do ritmo de produção, a antevisão do acidente, da invalidez e a velhice miserável; a perspectiva do desemprego, a burla constante aos mínimos direitos estabelecidos pela legislação, já injusta e arbitrária, fazem os trabalhadores tomarem consciência da exploração e a falta de perspectiva de revertê-la; enlouquece-os. Quem não enlouqueceria? Assim, a doença mental não encontra resposta quer a nível social, quer a nível médico ou previdenciário. Os que têm agravado seu quadro acabam sendo asilados, prática que cronifica a doença e os marginaliza de vez, levando-os à única opção presente: a aposentadoria.

Em 1982, as doenças cárdiocirculatórias, que dão substrato orgânico à hipertensão arterial, foram responsáveis pelo maior número de mortes no Brasil. Este grupo de enfermidades, conhecidos desde a antigüidade, cresceu dramaticamente nos últimos 100 anos em todo o mundo, e nos últimos 40 anos em nosso país, quando o processo de industrialização e urbanização se aceleraram.

O prolongamento da vida das populações, seu envelhecimento e o tabagismo são fatores reconhecidos da gênese dessas doenças, mas não são os únicos. As doenças isquêmicas do coração e a hipertensão arterial estão ocorrendo cada vez com maior freqüência em indivíduos jovens e, especificamente, em determinadas categorias profissionais, independentemente de classe social, e todas as pesquisas feitas até agora indicam que suas causas são o ritmo de trabalho, a exigência irrecorrível da atenção e todos os condicionamentos que envolvem o homem e o trabalho" (Incapacidade, Trabalho e Previdência Social, edição do DIESAT/IMESP, São Paulo, 1984, p.191-192).

Prosseguindo seu depoimento, Remígio Todeschini respondeu a seguinte indagação: na visão do DIESAT, como pode ser realizado o trabalho do psicólogo quanto à saúde/doença mental do trabalhador?

"O próprio trabalhador considera a Psicologia como coisa de louco. Por outro lado, vemos normalmente um grupo de profissionais (psicólogos, médicos etc.) que estão trabalhando na empresa e que no fundo, pretendem adequar os trabalhadores ao regime de trabalho adotado lá. Como são pagos pela empresa, eles querem que o trabalhador se sinta bem para produzir melhor. Na realidade, não existe ainda um número significativo de profissionais de Saúde que esteja assumindo o ponto de vista dos trabalhadores. Entretanto, esta constatação pode ser revertida.

Recentemente, tivemos uma experiência muito boa com os trabalhadores químicos do ABC, envolvendo o atendimento psicológico no Programa de Saúde do Trabalhador. Estava ocorrendo a contaminação por metais 'pesados', principalmente o mercúrio, que provoca no trabalhador alterações psicológicas. Houve uma pesquisa sobre a saúde do trabalhador durante o período de contaminação por mercúrio na Eletrocloro, demonstrando a necessidade de se considerar e tratar os problemas psicológicos decorrentes da exposição a metais 'pesados' .

Há um campo amplo para o psicólogo atuar nessa área de saúde mental e trabalho. Esse campo se abre principalmente com o Programa de Saúde do Trabalhador, que está sendo implantado em diversas regiões de São Paulo e também em outros pontos do País pelas Secretarias Estaduais de Saúde. É interessante constatar que muitos Sindicatos estão acompanhando o desenvolvimento desses Programas. Então, a atuação do psicólogo nesses Programas pode ser bastante relevante. Vai abrir-se uma grande oportunidade para os psicólogos estarem inseridos nesse Programa porque acho que o psicólogo deve estar lidando com o processo real a que o trabalhador está submetido na exploração do dia-a-dia."

O DIESAT não realiza prestação de serviços de saúde para o trabalhador, mas objetiva instrumentalizar com dados objetivos as categorias profissionais, através de grupos representantes de trabalhadores e representantes sindicalistas que participam de negociações trabalhistas, para melhorar as condições de saúde no trabalho, assim como o sistema de assistência à saúde.

Além de realizar pesquisas, sistematizar informações e de produzir publicações de interesse dos trabalhadores, promove,anualmente, uma Semana de Saúde do Trabalhador que reúne representantes das diversas regiões do País, e também mantém em funcionamento as reuniões de grupos de trabalhadores e de sindicalistas, por categoria profissional, dedicados a problemas específicos de cada categoria.

O DIESAT tem representação de âmbito nacional, com 208 Sindicatos filiados. Possui escritório regional no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso do Sul. Foram criadas comissões pró-DIESAT em Salvador e em Recife."


Endereço da Nova Sede Nacional:
Rua Mario Amaral, 210 - Paraíso - São Paulo/SP
tel. (011) 3399-5673
diesat@diesat.org.br