domingo, 27 de abril de 2008

Entrevista Ricardo Antunes e Fernando Teixeira da Silva - Espetacularização do 1° de Maio

Fonte: Folha de São Paulo
ENTREVISTAS RICARDO ANTUNES E FERNANDO TEIXEIRA DA SILVA

Para historiador e sociólogo, trabalhador deixou de ser ator e se tornou mero espectador

Espetacularização é evidente no 1º de Maio

Na física, o trabalho é calculado multiplicando-se a força aplicada pelo deslocamento obtido. Nas ciências humanas -como sociologia, história e antropologia-, o conceito envolve muitas outras variáveis.
Globalização, movimento sindical, terceirização da mão-de-obra, instrução, desemprego e salário mínimo são apenas algumas das questões que dizem respeito ao trabalhador, classe lembrada nesta semana no 1º de Maio, o Dia do Trabalho.
Para discuti-las, a Folha entrevistou Ricardo Antunes, professor de sociologia do trabalho, e Fernando Teixeira da Silva, pesquisador em história social do trabalho -ambos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

DIOGO BERCITO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

FOLHA - Comparando o Dia do Trabalho hoje e quando foi implantado oficialmente, em 1924, o que há de novo?
RICARDO ANTUNES - A partir da década de 1990, as centrais começaram a converter o 1º de Maio em um dia de comemorações, e não de luta. Passou a ser mais uma disputa entre a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a Força Sindical.
FERNANDO TEIXEIRA DA SILVA - Assim como no passado, hoje o Dia do Trabalho continua tendo significados diversos. De maneira geral, pode-se observar a transformação cada vez mais nítida da data em espetáculo. É agora uma data oficial do governo e os trabalhadores acabam sendo mais espectadores que propriamente atores.

FOLHA - O movimento sindical está enfraquecido?
ANTUNES - A classe trabalhadora foi terceirizada e o desemprego foi muito acentuado. O próprio neoliberalismo tem embutido dentro dele o princípio de demolir o sindicato combativo. Há uma política anti-sindical por parte do Estado em relação aos sindicatos mais críticos. Ao mesmo tempo, existe uma política de cooptação de alguns sindicatos, que aceitam a nova condição de se tornarem servos do Estado.
TEIXEIRA DA SILVA - Ao longo dos anos 1990, os sindicatos foram enfraquecidos em todo o mundo. Hoje, têm de enfrentar os desafios típicos da globalização. É cada vez mais difícil pensar em atuação dessas entidades somente em fronteiras nacionais, sem levar em consideração que há uma série de direitos desrespeitados que ultrapassam barreiras locais.

FOLHA - Como a terceirização afeta o trabalhador?
ANTUNES - A terceirização fragmenta, divide e diferencia os trabalhadores. São ganhos econômicos e políticos para o empresário, nenhum deles positivo para o trabalhador.
TEIXEIRA DA SILVA - Terceirização é um eufemismo para flexibilização, eliminação de direitos. Você cria uma parafernália de novas práticas de contratação sob um argumento totalmente falso de que haverá aumento no número de vagas.
O resultado é a diminuição de salários e de direitos. É uma forma de pulverizar as relações de trabalho e golpear os sindicatos, já que boa parte dos terceirizados não faz parte das organizações de classe.

FOLHA - A instrução dos trabalhadores vem aumentando?
ANTUNES - Sim. O mercado de trabalho é uma selva e, se você tem qualificação, a sua chance de conseguir emprego é um pouco maior. Mas às vezes se trata de uma qualificação tecnicamente desnecessária -um banco, por exemplo, poderia contratar trabalhadores do ensino médio que supririam as necessidades de algumas funções. No entanto, pedem engenheiros, economistas ou sociólogos. Por quê? Como há excesso de trabalhadores, é possível elevar a exigência, mesmo pagando menos.
TEIXEIRA DA SILVA - O trabalhador hoje não é mais aquele operário vestindo macacão. Há mais preocupação com instrução, mas, ao mesmo tempo, é preciso levar em consideração que há especializações que se tornam obsoletas rapidamente. Assim, o estudo formal acaba se tornando obsoleto.

FOLHA - O que o trabalhador tem para comemorar no próximo 1º de Maio?
ANTUNES - Tem pouco. O admirável mundo do trabalho hoje mais se parece com o abominável mundo do trabalho. Não é preciso celebrar nada, mas pensar, diante desse cenário adverso, quais são os caminhos para lutar pelos seus direitos.
TEIXEIRA DA SILVA - O Dia do Trabalho é um bom momento para revitalizar a memória do trabalhador. É preciso olhar para trás, refletir sobre o passado para pensar o presente.
Mas são só os trabalhadores que precisam decidir o que devem comemorar ou não. Não cabe mais aos intelectuais a definição do que deveria ou não ter sido feito. Não precisam de ninguém para dizer o que deveriam ou não comemorar.

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