sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Administração suicida

A França observa, atônita, um número nefasto que não para de crescer: esta semana foi registrado o 25º suicídio entre funcionários da France Telecom, no ápice de uma onda incontrolável de suicídios que começou em fevereiro do ano passado.

A história assumiu contornos de um problema eminentemente administrativo porque se tornou parte do ritual dos suicidas procurar a morte no próprio local do trabalho ou deixar uma carta evidenciando a relação de suas condições na empresa à decisão de recorrer a este ato extremo.

Alguns chegam mesmo a mencionar, em seus bilhetes de despedida, a intenção de fazer parte desta onda suicida que assola a empresa.

Ameaças de demissão, demissões de fato, mas principalmente a mudança forçada de setor, de cidade ou de horário de trabalho, muitas vezes depois décadas de estabilidade em uma mesma rotina, são alguns dos fatores citados pelos funcionários para o stress extremo em que relatam viver.

No centro da questão está a mínima margem de autonomia garantida a cada unidade local da empresa.

Reengenharias mirabolantes desenhadas pela presidência da empresa são impostas de cima para baixo, deixando as gerências locais sem qualquer margem de manobra.

Todos os dias ouve-se nas rádios testemunhos de funcionários de setores técnicos que foram transferidos ao telemarketing do dia para noite, à revelia de suas chefias diretas.

Os sindicatos fazem coro sobre as condições difíceis dos funcionários, o que ganha contornos força diante de um presidente de empresa mal-preparado para gerenciar a crise.
Em uma conferência de imprensa, Didier Lombard chegou a classificar de "moda de suicídios" a situação sem precedentes pela qual a empresa atravessa.

Sob fogo cerrado da imprensa francesa, o chefe da maior empresa de telefonia do país tem procurado assumir uma nova postura há cerca de quinze dias.

De "moda" ele passou a classificar a crise como uma "espiral infernal", propondo um plano que cria cargos e congela completamente os remanejamentos de postos, com vistas a um ganho de satisfação no ambiente de trabalho.

Os analistas localizam as causas da crise em 1998, quando o governo francês quebrou o monopólio da telefonia e a gigante telefônica francesa foi obrigada a encarar a luta pela concorrência.

Ao contrário das concorrentes estrangeiras e locais, que partem de estruturas enxutas, a France Telecom carrega consigo toda a sua população de funcionários, impregnada de know-how mas também dos vícios de quem sempre trabalhou sem conhecer a livre concorrência.

Toda mudança de rotina foi profundamente mal vivida pelo corpo de funcionários da empresa que, sem um acompanhamento administrativo e psicológico adequado, respondeu com quadros depressivos, sucessivas licenças para tratamento de saúde e, mais recentemente, o desespero mais completo levando a vinte e cinco suicídios - e incalculáveis tentativas.

Paradoxalmente - e talvez por isso mesmo - a empresa vai bem financeiramente.

Aliás, nunca esteve tão bem desde a privatização. Quem não vai nada bem são os homens e mulheres que construiram este resultado.

Fonte: Carolina Nogueira é jornalista e mora há dois anos em Paris, de onde mantém o blog Le Croissant

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