sábado, 10 de maio de 2008

Hiroshima: as imagens que o mundo nunca tinha visto

O texto abaixo, do Le Monde, traz o relato de mais um detalhe sórdido de um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade: as bombas atômicas jogadas em Hiroshima e Nagasaki, o Holocausto cometido pelos norte-americanos dos EUA.

Apesar deste blog tratar das questões específicas de saúde, trabalho e meio ambiente, devemos sempre estar atentos aos grandes crimes da humanidade. Relembrá-los mostra-nos a imensa capacidade de cometer grandes atrocidades que a humanidade possui... e nos faz pensar nas "pequenas" atrocidades que o homem pratica no cotidiano, no trabalho, na saúde e em relação ao meio ambiente.

A reportagem do Le Monde traz uma parte da história de tentar "esconder" a verdadeira história. Um relato de proibição de fotos e fatos sobre a tragédia praticada pelos norte-americanos. Mas, talvez por natural repulsa, não traz as fotos originais, elas podem ser encontradas, juntamente com todo o horror que retratam, no site: Atomic Tragedy.

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Hiroshima: as imagens que o mundo nunca tinha visto
Fonte: Le Monde

Sylvain Cypel e Philippe Pons
Correspondentes em Nova York e Tóquio

São fotos que foram feitas no solo, do lado de dentro do desastre. Nada a ver com a visão abstrata e desencarnada do cogumelo nuclear. Essas imagens mostram o estado da cidade japonesa de Hiroshima nos primeiros dias que se seguiram ao arremesso, pela aviação americana, da primeira bomba atômica, em 6 de agosto de 1945, às 8h17.

Fotos atordoantes de corpos que flutuam nas águas. Imagens aterradoras de rostos distorcidos pelo sofrimento. Retratos de cadáveres amontoados em pirâmide, de corpos enrijecidos. São adultos empilhados junto com idosos e crianças, que foram apagados num instante. Não há mais nem homem nem mulher. Unicamente corpos calcinados, emaranhados debaixo dos escombros, ou deitados em fileiras que se estendem até onde a vista alcança. Eles foram alinhados pelas equipes de resgate e de militares japoneses que foram as primeiras a chegarem ao local, e cujos integrantes perambulam sem rumo, protegidos por máscaras, no meio das ruínas, neste cenário de absoluta desolação. Dá para reconhecer as crianças simplesmente por causa do seu tamanho menor.

Foi o "think tank" da Hoover Institution, na universidade Stanford, na Califórnia, que tornou públicas dez fotografias excepcionais, na segunda-feira, 5 de maio. Elas lhe foram entregues, em 1998, por Robert L. Capp, um soldado que havia participado das operações das forças americanas de ocupação do Japão depois do encerramento da Segunda Guerra Mundial. "Quando estava vasculhando num porão perto de Hiroshima", explica Sean Malloy, um historiador e pesquisador na Universidade da Califórnia, em Merced, "Capp se deparou com películas que nunca haviam sido reveladas: entre elas, havia essas fotos". O seu autor, um japonês, é desconhecido.

AFP
Foto tirada em 1948 mostra a cidade de Hiroshima devastada pela bomba atômica


Quando estava trabalhando na elaboração de um livro que foi publicado neste ano, intitulado "Atomic Tragedy: Henry L. Stimson and the Decision to Use the Bomb Against Japan" (A tragédia nuclear: Henry Stimson e a decisão de arremessar a bomba sobre o Japão, Cornell University Press), Sean Malloy, um veterano da universidade Stanford, foi autorizado a ver essas fotos. Depois disso, ele conseguiu se reunir com a família Capp, que lhe permitiu divulgar três fotos inéditas no seu livro. Robert Capp, que faleceu nesse meio tempo, havia doado a sua coleção, em 1998, para o fundo de arquivos Hoover, exigindo que essas fotos não fossem mostradas antes de 2008.

Em razão da censura draconiana que foi imposta pelo ocupante americano em relação a tudo o que se referisse ao bombardeio de Hiroshima (e também ao de Nagasaki, que ocorreu três dias mais tarde), durante meses o mundo permaneceu na ignorância da amplidão da tragédia da qual foram vítimas populações essencialmente civis. As imagens que foram efetuadas pelos primeiros fotógrafos japoneses que se deslocaram até o local tiveram a sua divulgação proibida. As fotos que Robert Capp encontrou foram, sem dúvida, realizadas por um amador. Elas constituem um testemunho do horror dos primeiros dias que se seguiram aos bombardeios.

Neste dia 6 de agosto de 1945, Hiroshima (350.000 habitantes) se prepara para viver uma jornada de calor úmido, acachapante, tendo como trilha sonora os ruídos das cigarras, no tórrido verão japonês. A bomba arremessada pela fortaleza voadora Enola Gay, que havia levantado vôo na primeira hora do dia, na cidade de Tinan, no oceano Pacífico, explode a 580 metros de altitude. A cidade é demolida numa proporção de 90%, e 150.000 pessoas morrem instantaneamente ou depois de uma longa agonia. Aos efeitos fulminantes se acrescentará a morte lenta provocada pelas radiações. "Devolvam-nos a nossa humanidade", pedirá então o poeta Sankichi Toge, vítima das radiações.

Com a exceção da reportagem do jornalista australiano William Burchett, "No more Hiroshima" (Nunca mais Hiroshima), que foi publicada em setembro, não se sabe praticamente nada, seis meses mais tarde, daquilo que aconteceu em Hiroshima e em Nagasaki. O que também implica em conseqüências humanas trágicas: como tratar esses terríveis ferimentos, com os quais as equipes médicas lidam como se fossem simples queimaduras? Como debelar as hemorragias de corpos esfolados vivos? O único organismo a ser implantado pelo ocupante foi um centro de pesquisas sobre os efeitos da bomba: ele não fornece nenhuma assistência médica, mas solicita que os mortos lhe sejam entregues para autópsia...

O horror dessas fotos traz à tona novamente a seguinte pergunta: a bomba A era mesmo o único meio de pôr fim à guerra do Pacífico? Em 1945, o Japão estava completamente exausto. Em Potsdam, em 26 de julho, os Estados Unidos haviam exigido a sua capitulação incondicional, à qual Tóquio recusou se submeter. Mas a decisão de arremessar as suas bombas sobre o arquipélago já havia sido tomada, na véspera, em Washington. Nas suas Memórias, o general que se tornaria presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, escreve que em agosto de 1945, "o Japão já estava derrotado, e, portanto, era inútil recorrer à bomba atômica". E mais ainda, arremessar a segunda, sobre Nagasaki, que matou instantaneamente 70.000 pessoas. Contudo, mais do que obter a capitulação japonesa, tratava-se de demonstrar a supremacia americana para a URSS, que nesse meio tempo havia declarado a guerra ao Japão.

Desde a divulgação dessas fotos, blogueiros e internautas americanos vêm se digladiando em disputas em torno do assunto. Uma frase volta de maneira recorrente nos comentários: "Os japoneses só tiveram o que eles mereciam". No site MetaFilter, um internauta cujo codinome é "postroad" avalia que "uma vez que o Japão não tinha a menor intenção de capitular, conforme mostra o filme de Clint Eastwood ('Cartas de Iwo Jima', 2006), por mais horríveis que sejam (essas fotos), estes bombardeios salvaram um grande número de vidas americanas - e também japonesas". Inversamente, outros internautas avaliam que "a América dissimula os seus crimes vergonhosos".

Muitos são os internautas que se perguntam também por que essas fotos só estão sendo divulgadas agora. Poucos são os que confiam na versão oficial. Será possível acreditar realmente que Robert Capp tivesse esperado durante 53 anos antes de mostrar essas imagens para quem quer que seja? Por que teria ele exigido que elas continuassem sendo mantidas em segredo durante dez anos? Sean Malloy não tem nenhuma explicação: "É só uma suposição, mas Capp sabia que estava se aproximando do fim da sua vida. Ele não queria se ver envolvido nas polêmicas que essas fotos poderiam provocar".

Da mesma forma, por que Robert Capp teria fornecido esses documentos precisamente para a Hoover Institution? Pois esta é considerada como um centro de pesquisas neoconservador dos mais extremados. Alguns enxergam nisso uma vontade de "incentivar" uma intervenção americana contra o Irã antes que este país, uma vez que ele dispuser da bomba A, possa atacar Israel. Inversamente, outros sugerem a Hillary Clinton para "olhar com atenção para essas imagens antes de fazer certas declarações". A pré-candidata democrata ameaçou recentemente "apagar o Irã" do mapa caso ele atacasse o Estado judeu. O internauta que se faz chamar de "oneirodynia" insiste a respeito do "esforço maciço de censura, tanto por parte dos Estados Unidos quanto de Tóquio, depois que a bomba tivesse sido arremessada. No verão de 1946, a equipe americana encarregada da censura no Japão havia sido aumentada, a tal ponto que ela mobilizava 6.000 pessoas".

Referindo-se à "cultura do segredo" que eles acreditam detectar nos Estados Unidos, inúmeros comentários estabelecem uma relação entre Hiroshima, os bombardeios maciços com napalm das populações locais durante a guerra americana no Vietnã e... as prisões americanas de Guantánamo e de Abu Ghraib atualmente. De Hiroshima ao Iraque, um internauta anônimo escreve, no site do Yahoo!, que "o povo americano nunca se interessa por outra coisa senão pelos seus próprios mortos".

Enquanto o debate vai se desenvolvendo na Internet, a imprensa americana ainda não noticiou nem comentou a divulgação dessas novas fotografias da tragédia de Hiroshima. Nem a imprensa japonesa, aliás.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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