terça-feira, 29 de setembro de 2009

Entrevista: Pressão em excesso faz mal

Entrevista: Pressão em excesso faz mal

Fonte: Jornal Extra Classe - Edição Especial / Sinpro/RS

Wilson Cesar Ribeiro Campos é psicólogo pela USP, especialista em saúde coletiva pela Unifesp e pesquisador do Diesat, que coordenou toda a pesquisa com os docentes no Rio Grande do Sul. Nesta entrevista ao Extra Classe, ele analisa e esclarece alguns pontos do trabalho e faz paralelos das principais queixas levantadas pelos professores, como falta de tempo para a devida preparação das tarefas docentes, aumento do cansaço devido à extensa jornada e ao número de atividades extraclasse, o grande número de atividades sem remuneração adicional e exercidas fora do horário da jornada e a excessiva pressão sofrida no trabalho. A pesquisa comprova que este quadro vem se agravando nos últimos anos, e o pesquisador destaca a queda significativa nas condições de trabalho e saúde no ensino privado.


Foto: René Cabrales

EC – Quais as principais características identificadas em relação ao assédio moral no ensino privado?
Wilson César Campos – O assédio moral no trabalho pode ser definido como qualquer conduta abusiva, como gestos, palavras, comportamentos ou atitudes, que atente, por sua repetição, contra a dignidade ou a integridade física ou psíquica de uma pessoa. A pesquisa apontou que 33% dos professores sentem-se assediados moralmente no trabalho por alunos. As chefias imediatas e as chefias superiores aparecem como fonte de assédio moral no trabalho para 31% dos professores. É importante ressaltar que este é um alto índice se comparado com outras pesquisas realizadas em outras atividades profissionais. Uma particularidade que gostaria de chamar a atenção é para o grande número de professores que indicam outros colegas professores como fonte de assédio moral no trabalho. Nesta situação encontram-se 23% dos professores. Podemos chamar de assédio moral horizontal, este exercido entre os próprios colegas, e que parece estar colocando em perigo a atividade do professor que sempre teve por base o espírito solidário e a tarefa de propiciar o crescimento conjunto.

EC – Estariam os professores sucumbindo à cultura da competitividade?
Campos – Esta conduta não-somente não é coibida pelas chefias e empresas, como em alguns casos, parece ser estimulada. Ou seja, este tem sido um mecanismo utilizado de forma indireta pelas escolas para manter o professor atento, buscando “trazer novos alunos”, “ vestir a camisa”, ficando sempre disponível, etc. Alguns podem até considerar que este tipo de ambiente colabora para aumentar a “produtividade” docente, mas somente levam a uma piora nas condições de trabalho e saúde. Primeiro temos que questionar esta lógica da produtividade quando aplicada à Educação, dentre outras razões, por somente estimular a reprodução de uma lógica que tem por base a exploração máxima e o desrespeito aos limites físicos e mentais. Há 30 anos, os sindicatos de trabalhadores se reuniram para criar o Diesat afirmando o lema que permanece atual: saúde não se troca por dinheiro.

É necessário advertir que a conduta do assédio moral é a base para o sofrimento físico e mental em larga escala, que passa a atingir a todos levando a uma deterioração ainda maior das relações e da organização do trabalho.

EC – É comum aparecer em outras profissões um índice tão alto (41%) de trabalhadores que têm outra fonte de renda?
Campos – É importante relacionar este alto índice com o grande número de professores que exercem atividades docentes sem remuneração adicional. A pesquisa indica que 74% dos docentes exercem mais de 4 horas por semana nestas atividades, sendo que 44% dos professores acabam por dedicar mais de 8 horas semanais em atividades sem remuneração adicional. Outro fator relacionado a este aspecto revelado pela pesquisa é que 33% dos professores entrevistados alegaram ter enfrentado algum tipo de dificuldade financeira grave nos últimos três meses.

Embora nos últimos anos trabalhadores de diversos setores econômicos tenham conseguido certa recuperação em sua renda, no caso do professorado há que se salientar uma imensa demanda por aprimorar constantemente sua formação, muitas vezes acadêmica, e sua bagagem cultural, o que demanda um grande e constante investimento. Além disso, é importante salientar que este alto índice aponta para outra fragilidade do trabalho docente, a necessidade de complementar sua remuneração exercendo outras funções.


Foto: René Cabrales

EC – Como você avalia o elevado percentual de trabalho extraclasse?
Campos – As instituições de ensino tem se utilizado, cada vez mais, da tecnologia de comunicação como ferramenta para ampliar o número de atividades e manter o professor sempre conectado. Estas ferramentas se por um lado aparentam facilitar o trabalho docente, por outro acabam por induzir e exigir que o professor assuma atividades adicionais. Algumas destas atividades eram antes exercidas por outros profissionais, outras são novas, que vêm ser adicionadas à extensa lista de funções do professor. Uma das características deste modelo é poder ser realizado a qualquer hora e em qualquer lugar, seja na própria instituição de ensino, no horário de intervalo, após o final das aulas, ou mesmo à distância, diretamente da casa do professor, à noite ou aos finais de semana. Lembro-me de algumas frases que traduzem bem esta realidade: “o professor é 24 horas por dia professor”, “o professor tem que estar sempre à disposição da instituição, dos alunos, dos pais, da chefia, a todo o momento, em qualquer hora”, ou “chego em casa e mal falo com meus filhos, vou direto para o computador, responder email, inserir notas, fazer relatório”. Os impactos deste excesso de atividades para a saúde física e mental são evidentes e eles se manifestam nas relações familiares e sociais, na ausência de tempo para lazer, para estudo, para descanso. A pesquisa indica que 70% dos professores frequentemente exercem tarefas docentes fora de seu horário de trabalho, sendo que quase 30% acabam por também exercer tarefas que estão além de sua função.

EC – Como pode ser explicada a grande incidência de problemas alérgicos?
Campos – O esgotamento físico e mental é um dos fatores que contribui para uma queda da capacidade imunológica, que está relacionada com a capacidade do organismo de enfrentar agentes alérgicos. Existem vários sintomas que indicam o surgimento de alergias como os resfriados constantes, espirros, dores de cabeça, coceiras e coriza, dentre outros. Os fatores ambientais tradicionais como poluição e poeira são potencializados, no caso dos professores, por um agudo quadro de cansaço físico e mental que contribui para o surgimento de quadros alérgicos.

EC – Qual a relação existente entre os 78% de professores que apontaram cansaço e esgotamento frequentes nos últimos seis meses com a atividade docente?
Campos – Este cansaço e esgotamento físico e mental estão diretamente relacionados ao trabalho destes profissionais, sobretudo se recordarmos as queixas de excesso de trabalho, de tarefas e atividades extraclasse, a pressão e o assédio moral no trabalho. Além disso, em vários momentos durante as entrevistas os professores deixaram claro alguns períodos ao longo do ano letivo onde este cansaço e esgotamento são intensificados, como ao final do ano letivo, período de avaliações e fechamento de notas. Cerca de 45% dos professores entrevistados apresentaram algum problema de saúde física ou mental relacionado ao seu trabalho, sendo que 39% precisou se ausentar do trabalho por ao menos um dia em razão destas doenças.

EC – Como é avaliado o índice de utilização de medicamentos (20%)?
Campos – Com extrema preocupação. Sobretudo porque a medicalização parece estar sendo utilizada para manter o professor em atividade, ou seja, o professor que está adoecendo e sofrendo por conta de seu trabalho passa a utilizar estimulantes e antidepressivos para poder manter-se trabalhando, ao passo que utilizam calmantes ou outros tipos de medicamentos para poder descansar e dormir. É importante notar que em outras atividades profissionais este mesmo expediente perigoso é utilizado, talvez o mais conhecido seja o “rebite”. Levantamos que os professores têm recorrido a medicamentos estimulantes, calmantes ou tranquilizantes, antidepressivos, para memória e para auxiliar no sono. Em alguns dos casos, recorrendo à automedicação, o que constitui um risco ainda maior.

EC – A sensação de não dar conta de tudo que se tem para fazer no dia pode estar diretamente ligado aos distúrbios do sono?
Campos – O acúmulo crescente de tarefas e atividades que são colocadas sob responsabilidade do professor leva a um aumento significativo da sensação de não ser capaz de dar conta de tudo o que se tem para fazer no dia de trabalho, o que é relatado como frequente por 42% dos entrevistados. Os problemas e dificuldades relacionados ao sono atingiram 59% dos entrevistados nos últimos seis meses, sendo que esta frequência tem sido maior em razão de preocupações em 36% dos professores entrevistados. Estes problemas mantêm relação direta com a quantidade excessiva de atividades e tarefas e a sensação de impotência para dar conta destas. Nas entrevistas, os professores relataram a preocupação crescente e angustiante com esse volume de tarefas. É importante também adicionarmos a capacidade de manter concentração naquilo que faz. Quase a metade dos professores tem sentido dificuldades de concentração em tarefas mais do que usualmente.

EC – Em que momentos pode ser identificada a Síndrome de Burnout nesta pesquisa?
Campos – Dois aspectos principais devem ser observados quando falamos de Síndrome de Burnout. Em primeiro lugar, ela tenta descrever o processo de esgotamento psíquico no trabalho que fica evidente quando 47% dos professores afirmam se sentir constantemente esgotados e sob pressão mais do que o habitual, sendo que este número sobe para 78% quando considerados os últimos seis meses. Em segundo lugar, o processo de aumento significativo de irritação e impaciência que 41% dos professores alegam sentir frequentemente. É justamente esse o quadro descrito pelo que chamamos Síndrome de Burnout, ou seja, um sentimento de exaustão, de perda de enorme energia e de impotência para ação. É um processo lento que vai sendo desenvolvido vagarosamente, sobretudo através de uma situação de trabalho que o trabalhador não suporta mais, mas que também da qual não pode desistir.

EC – E os 17% que admitem sofrer violência na escola?
Campos – Muito preocupante, pois professores vivenciando ou presenciando violência na escola é um fator que vem se somar em um processo de desgaste físico e mental, de ruptura de relações no trabalho e de um mal-estar do trabalho docente que formam um conjunto complexo. Em um contexto de trabalho que agrava a saúde dos professores, situações de violência tendem a dificultar ainda mais este quadro. Este é um debate que deve ser aprofundado, seria a violência vivenciada na escola totalmente desconectada do contexto de sofrimento no trabalho dos professores? Considero que esta e outras questões devam ser respondidas coletivamente.

EC – O professor do ensino privado costuma trabalhar com dor?
Campos – Trabalhar sentindo algum tipo de dor parece ser uma constante na atividade docente. No caso dos professores do ensino privado gaúcho, encontramos que a grande maioria dos docentes que foram entrevistados alega que já trabalharam sentindo algum tipo de dor. Os docentes dizem que as regiões mais afetadas pelas dores são costas, cabeça, pernas e pés, ombros e braços. Outro fator que chama a atenção é que 44% dos entrevistados possuem diagnóstico de algum tipo de doença relacionada aos músculos, ossos ou articulações onde se destacam as tendinites, bursites e artrites.

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