segunda-feira, 15 de março de 2010

Entre a Voz e o Ouvido

Trabalhadoras de telemarketing e teleatendimento tem a saúde ameaçada no ambiente de trabalho


O Diesat entrevistou no mês das mulheres Ana Soraya Vilasboas Bomfim, servidora federal do Ministério do Trabalho e Emprego, da Fundacentro - Centro Regional da Bahia (CRBA), Assistente Social, com Mestrado na linha de pesquisa do Trabalho e Sociedade CRH/UFBA.
A pesquisa de mestrado de Soraya sob o título: “ENTRE A VOZ E OUVIDO: o trabalho emocional e os impactos para a saúde dos trabalhadores do teleatendimento/telemarketing em Salvador” mostra os desafios das trabalhadoras deste setor.

Diesat: Como surgiu a iniciativa de fazer essa pesquisa?

Ana Soraya: Esta pesquisa foi motivada pelo movimento a favor de melhorias no ambiente de trabalho e proteção à saúde dos trabalhadores nas Centrais de Teleatividades , os afastamentos por doenças relacionadas ao trabalho alarmavam-se nas centrais, porque as empresas de uma forma geral se reestruturaram nos anos de 1990 e desde então, vêm acompanhada pela revitalização do processo de acumulação de atividades através da automatização nas linhas de produção e fluxo contínuo no setor de prestação de serviços. Desse modo, no final de 2004, cartas de trabalhadores do setor de teleatendimento/telemarketing, foram enviadas à Fundacentro, denunciando a situação de trabalho em Salvador, vindo a confirmar as condições de trabalho como precárias e adoecedoras. Em 2005, a Fundacentro, a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) , o Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e alguns Sindicatos (Bancários, Comerciários, Processamento de Dados, Correios, sobretudo o Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações da Bahia (SinttelBA)), constituíram um grupo interinstitucional para discutir e viabilizar algumas ações que viessem a minimizar as queixas dos trabalhadores. O trabalho interinstitucional visava à promoção da saúde dos trabalhadores em teleatendimento/telemarketing. Então, o interesse em realizar esta pesquisa sobre o trabalho dos teleoperadores e os impactos sobre a saúde, surgiu a partir dessa Ação Interinstitucional; valendo destacar também que, a cada momento do trabalho  os encontros, as oficinas, as cartas, as queixas, os depoimentos dos trabalhadores  foi determinante para realização dessa investigação.
A motivação para a pesquisa de mestrado de Ana Soraya Vilasboas Bomfim, sob o título: “ENTRE A VOZ E OUVIDO: o trabalho emocional e os impactos para a saúde dos trabalhadores do teleatendimento/telemarketing em Salvador”; dissertação apresentada ao Programa de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia, defendida em 04 de novembro de 2009, sob a orientação da Prof.a Dra. Graça Druck, foi pelo interesse em analisar e compreender a relação saúdedoença decorrente do processo de trabalho e da apropriação da emoção humana nesses serviços.
O objetivo geral da pesquisa é responder à seguinte questão: Como o capital, em seu processo de acumulação mais recente, constrói e transforma a emoção humana numa habilidade emocional “moldada”, como instrumento de trabalho para a produção de riqueza?

D: Quais foram as etapas para a realização da pesquisa ?

A.S.: O processo pelo qual passa toda a pesquisa: revisão bibliográfica sobre a precarização do trabalho no mundo e no Brasil e as transformações recentes no mundo do trabalho e suas implicações na saúde do trabalhador por meio de uma discussão teórica sobre saúdedoença como questão social, bem como das pesquisas já existentes no contexto da sociologia do trabalho e da saúde dos(as) teleoperadores(as) no Brasil; a metodologia baseou-se em estudo de caso, procurando captar as peculiaridades do “saber fazer”, através da ótica de quem faz, a fim de entender a realidade do trabalho nas centrais de teleatividade, utilizando conceitos e características da Sociologia do Trabalho e da Saúde do Trabalhador. Foram realizadas trinta e três entrevistas individuais e formado um grupo focal; neste caso, foram ouvidos teleoperadores das três maiores Centrais de Teleatividades da cidade de Salvador e os aspectos que levaram à seleção dessas empresas foram pela dimensão - em termos de quantitativos de trabalhadores - e também pelos dados obtidos em Relatório do INSS. (SOUTO, 2006) sobre o número de trabalhadores acometidos por doenças relacionadas ao trabalho. A Comissão de Saúde do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações da Bahia (SinttelBA) foi um lócus fundamental para a pesquisa, pois a aproximação com os atores sociais ou teleoperadores ocorreu, a priori, nesse local; a pesquisa de campo foi realizada no período de janeiro de 2008 a maio de 2009 e por fim foi realizada a análise dos resultados sintetizando a discussão no terceiro e quarto capítulos da dissertação: “O trabalho do teleoperador e a empresa capitalista ‘moderna’”. As relações de trabalho dos operadores de teleatendimento/telemarketing e a dissertação “Entre a Voz e Ouvido: o trabalho emocional e os impactos para a saúde dos trabalhadores do teleatendimento/telemarketing”; abordando a situação de apropriação e subordinação da emoção humana no sistema capitalista; a saúde dos teleoperadores e o desvendar de corpos e mentes; o sofrimento daqueles(as) que perderam a capacidade de responder à avidez dos interesses da produção capitalista.

D: O que a pesquisa revela sobre a saúde das trabalhadoras desse segmento?

A.S.: Confirma que os(as) trabalhadores(as) das Centrais de Teleatividade de Salvador, vivenciam um processo de precarização, o medo sendo utilizado pela gestão que desestabiliza os coletivos, assim, a empresa neoliberal impõe um grau de sofrimento aos trabalhadores – diante de ameaça declarada a respeito do cumprimento de metas inatingíveis - dificultando a resistência da classe que vive do trabalho. Deste forma, o estudo revela que estamos diante de uma apropriação e subordinação da emoção humana, em suas condições objetivas e subjetivas que tem levado ao adoecimento crescente dos(as) teleoperadores(as). Pelos critérios de seleção do teleoperador para entrar na linha de trabalho, seja em atendimento ativo, receptivo ou ativo e receptivo, observa-se que o trabalhador(a) deve se apresentar como convém à tecnologia empregada, à solicitação do serviço ou produto da empresa contratante, ficando subordinados a roteiros pré-estabelecidos pelas contratadas seguidos de tempo estabelecido que determinará a ação e atuação em função do faturamento. Em nome da razão econômica, fica estabelecido o desenvolvimento do “como competir”, “como castigar”, “como agüentar”, “como ficar calado”, “como negar o sofrimento do outro”.
No caso do teleoperador(a), “sitiado na baia”, além da supervisão permanente por meio eletrônico, que tem como objetivo seguir um fluxo informacional que lhe exige capacidade cognitiva, controle das emoções, capacidade física e psíquica para obter resultados; “fóra da baia”, existe um cliente-usuário ávido para obter informações e resoluções; no caso do teleoperador ativo, de vendas, existe o sentimento de ter que lidar com a invasão da privacidade de outrem. Para os teleoperadores do século XXI, as estruturas das centrais de teleatividades representam a sociedade empresarial das Novas Tecnologias, onde o trabalho continua pouco prazeroso e alienante como o da fábrica, além de constituir uma sobrecarga física e mental com elevada prevalência de doenças osteomusculares, do sistema nervoso, do aparelho respiratório, e transtornos mentais e comportamentais.

D: A pesquisa mostra uma parcela dessas trabalhadoras (Salvador). Ao imaginar que tratasse de um problema nacional, qual o dado mais alarmante?

A.S.: As Mulheres nas Centrais de Teleatividades no contexto nacional e internacional, conforme observado pela pesquisa, mostra que esse segmento de trabalho, do setor de serviços é caracterizado por uma forma de organização pautada, sobretudo, no controle do tempo, devido à pressão gerada, resultante da velocidade com que o fluxo informacional demanda e quanto ao atendimento das metas impostas.
No caso de Salvador, a força de trabalho encontra-se, em sua maioria  seja ativa, receptiva, ativa e receptiva  ocupada por mulheres.

Tabela 5  Total de trabalhadores colocados pelo SINE em 2008, na família ocupacional,
Operadores de Telemarketing no Brasil.
N. TRABALHADORES / SEXO QUANTIDADE DE COLOCAÇÕES
N° %

FEMININO
46.297
72
MASCULINO 17.900
28

TOTAL 64.197 100


FAIXA ETÁRIA RESULTADO ENCAMINHAMENTO
QUANTIDADE DE COLOCAÇÕES %
1. Faixa 10 a 14 anos 2 --
2. Faixa 15 a 17 anos 929 1
3. Faixa 18 a 19 anos 14496 23
4. Faixa 20 a 24 anos 25498 40
5. Faixa 25 a 29 anos 13371 21
6. Faixa 30 a 39 anos 7325 11
7. Faixa 40 a 49 anos 2179 3
8. Faixa 50 a 59 anos 379 1
9. Acima de 60 anos 18 --
TOTAL 64.197 100
Fonte: Base de Gestão IMO/CSINE/CGER/DES/SPPE/MTE.


Esses dados se referem aos postos informatizados com o Sistema Integrado de Gestão das Ações de Emprego (SIGAE), que hoje correspondem a 60% da rede de atendimento. Dessa forma, a opção preferencial pela mulher se dá em função das suas supostas qualidades femininas, adquiridas no seu processo de “tornar-se mulher”: submissão, delicadeza, capacidade de sedução e paciência, constituem qualidades essenciais a esse tipo de atividade que tem, na emoção, a “matéria-prima” fundamental para responder às demandas, de modo a agradar todos os pólos envolvidos. E o dado que mais uma vez é claro e alarmante é que a empresa “moderna”, no caso, as centrais de teleatividades (CTAs), intensificam o trabalho, para uma lucratividade imperativa da sua base técnica, que, simultaneamente, sinaliza o adoecer pelo trabalho.

D: Cuidados, desafios e como os sindicatos podem auxiliar esses trabalhadores(as)?

A.S.: No caso dos trabalhadores de Centrais de Teleatividades, não há uma legislação referente à sua jornada de trabalho e é sabido o quanto isto é extremamente significativo para a saúde do trabalhador, em razão de evitar sobrecarga de trabalho. O que se tem, e o que este estudo encontrou a esse respeito, são dois Projetos de Lei ainda em tramitação no Congresso Nacional: Projeto de Lei 4.516/2004 e Projeto de Lei 2.673 de 2007. Essa é uma luta que caminha, vagarosamente, no sentido de assegurar direitos a esse “novo” trabalhador, pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Os sindicatos devem se movimentar para a garantia de sua regulamentação. Também é necessária uma campanha em âmbito nacional para que se faça cumprir de fato a NR-17, Anexo II – Telemarketing, pois a sua implementação no mundo real não se dá de modo efetivo e pacífico, existe forte resistência por parte do empresariado no cumprimento da legislação e, ainda que ela seja bem divulgada juntos aos teleoperadores, para que tenham conhecimento dos seus direitos e os riscos ocupacionais de sua atividade.

D: O dia internacional da mulher completará 100 anos, o que você espera que essas trabalhadoras ganhem no dia 8 de março?

A.S.: Historicamente esse é o dia da luta em que as mulheres urbanas e rurais trabalhadeiras se tornam visíveis, de todas as classes sociais na busca dos direitos e do respeito pela igualdade. A II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em 1910, em Copenhague, Dinamarca, dá o marco a este dia, bem como em memória da líder revolucionária que atua entre as mulheres trabalhadoras da Russa Alexandra Kolontai que lembra: O dia das operárias em 8 de março de 1917, foi uma data memorável na história. A revolução de fevereiro acabara de começar’. Então, é fato que este é o dia que se recupera a trajetória de superações, de conquistas e que desde o seu início a questão sobre a proteção à saúde e à vida de todas as trabalhadoras está posta, e hoje mais do nunca é preciso que em todos os espaços onde haja mobilização de trabalhadoras, se fazendo necessário tornar público o que é privado, assim, deve-se falar da intensificação do trabalho e da precariedade do trabalho. A discussão, é trazer à luz da contemporaneidade, como a violência vem ocorrendo nos ambientes de trabalho, pois nos últimos tempos, em que a desestruturação produtiva se deu por meio de uma política neoliberal, as novas formas de organizar o trabalho, vem se estabelecendo com todo tipo de humilhação, constrangimento e assédio moral, mecanismos de controle e regulação para uma superexploração do trabalho. Portanto, as situações vivenciadas desde a Primeira Revolução Industrial, até os dias de hoje é de luta para mulheres e homens que vivem do trabalho. Nesse momento de encontros, pode-se discutir o sofrimento, o assédio moral e sexual e o adoecimento que advém destas relações de um trabalho cada vez mais flexível, precário e de “vergar” o outro é uma situação premente, bem como a busca de estratégias para uma situação de trabalho que se restabeleçam laços de solidariedade e à vida digna para a classe trabalhadora.
Devemos ressaltar ainda, que o foco da pesquisa não foi discutir sobre as relações de gênero nos serviços do teleatendimento/telemarketing. A dissertação se encontrará à disposição on-line no portal da Fundacentro em maio de 2010.
asoraya@fundacentro-ba.gov.br

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