segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Ensaio: Economista de Lenin previu crise

 

ENSAIO
Economista de Lenin previu crise

STEFANIE AUGUSTINE
KYLE CRICHTON

Nikolai Kondratieff não foi exatamente um burocrata sem rosto na Rússia pós-revolucionária. Ele trabalhara no último governo de Alexander Kerensky, antes da tomada do poder pelos bolcheviques, e então tornou-se teórico importante da chamada nova política econômica, sob a égide de Lênin.
Mas ele teria sido consignado à lata de lixo da história há muito tempo se não fosse por sua paixão acadêmica excêntrica, que exerceu em livros e artigos escritos ao longo da década de 1920. Revendo a história econômica desde o final do século 18, Kondratieff chegou a uma conclusão espantosa, do tipo "fim dos tempos": que as economias capitalistas estão fadadas a passar por ciclos previsíveis de cerca de 50 anos, que inevitavelmente culminam numa depressão.
Apesar de comunista engajado e autor de uma teoria de colapsos capitalistas inevitáveis, embora periódicos, Kondratieff foi executado em 1938, vítima dos expurgos stalinistas. Aparentemente, ele levantara dúvidas fortes demais sobre o entusiasmo do governo pela indústria pesada e os coletivos agrícolas. Após oito anos no gulag, ele deixou para sua filha uma carta final em que recomendou que ela fosse "uma menina inteligente e boa" e pediu: "não se esqueça de mim".
Foi um epitáfio apropriado, pois, a cada vez que parece que Kondratieff está prestes a ser esquecido, a economia tem uma queda -que seus discípulos tentam enquadrar em ciclos, ou "ondas de Kondratieff".
Ele identificou em cada ciclo quatro estágios, que corresponderiam às estações do ano. Depois de avançar rapidamente durante a fase primaveril, diziam seus discípulos, a economia segue bem durante o verão, vive uma queda assustadora com a chegada do outono e, então -mesmo que os governos tentem evitar-, mergulha numa fase invernal que pode durar até 20 anos.
Coinciência ou não, o hemisfério norte vem enfrentando um inverno especialmente rigoroso.
Com o passar dos anos, o apelo das ideias de Kondratieff aumentou e diminuiu -perde espaço nos tempos bons e volta com força quando as perspectivas parecem sombrias. Mas sua teoria nunca chegou a ser aceita pelos economistas convencionais.
Os seguidores de Kondratieff já gritaram "depressão" antes, por exemplo em 1982. Na época, um correspondente do "New York Times", Paul Lewis, observou: "Segundo a análise de Kondratieff, o mundo está passando pela quarta grande queda econômica desde os anos 1790, um período de recessão global que provavelmente durará até quase o final do século, quando terá início uma nova era de prosperidade -e há muito pouco que se possa fazer para mudar isso."
Hoje os discípulos de Kondratieff estão igualmente certos de que o período negativo atual começou em 2000, com o crash do mercado acionário daquele ano, seguido pela fase outonal dos anos Bush, caracterizada pelo enorme crescimento da dívida e da alavancagem, numa tentativa de manter a prosperidade dos anos de primavera e de verão.
Evidentemente, as ondas de Kondratieff tendem a estar na cabeça daqueles que as enxergam. Afinal, a economia americana terminou por reagir a várias quedas do mercado como a de 2000, permitindo que os 25 anos seguintes a 1982 fossem um período de crescimento em grande medida ininterrupto. Na última década desse período, porém, o crescimento foi movido pela dívida, numa tentativa desesperada de manter um nível insustentável de consumo -uma etapa que a teoria de Kondratieff explica com bastante precisão.
"As pessoas que traçam as previsões geralmente não exercem papel central na discussão da ciência econômica", disse David Colander, historiador de economia no Middlebury College, em Vermont (EUA). Mas, acrescentou, as economias têm, sim, "essa tendência ao excesso" captada por Kondratieff e outros, e isso é algo que passa em grande medida despercebido na teoria econômica moderna.
Colander cita a Escola Austríaca como possível rival à linha de pensamento de Kondratieff. Seus economistas tendem a enfatizar uma abordagem empreendedora baseada no "laissez-faire" e em limites rígidos ao crescimento da disponibilidade de moeda.
Embora seja vista como fora da linha de pensamento econômico mais convencional, a Escola Austríaca é muito mais prestigiosa, tendo em suas fileiras dois Prêmios Nobel, Friedrich Hayek e James Buchanan.Consta que Hayek previu a Grande Depressão, e alguns devotos da Escola Austríaca reivindicam o crédito por terem previsto a atual.
Nos anos 1930, John Maynard Keynes tomou o lugar de Hayek e da Escola Austríaca na popularidade intelectual. A linha de pensamento austríaca voltou, até certo ponto, durante os anos Reagan, mas, segundo Colander, nunca chegou a conquistar aceitação entre os economistas.
"Deveria ter conquistado", disse ele. "Uma boa disciplina deve levar mais a sério seus próprios outsiders. Eles fazem você olhar para as coisas sob óticas diferentes. A pior coisa para os líderes políticos é pensar que têm razão."

Fonte: New York Times - Folha de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário