segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Japoneses perdem trabalho e casa

Japoneses perdem trabalho e casa

Por MARTIN FACKLER

OITA, Japão - Koji Hirano contou que ficou incrédulo e que "deu um branco" em sua cabeça quando ele e outros trabalhadores na empresa Canon, em Oita, sul do Japão, souberam que iam ser demitidos.
O choque converteu-se em medo quando eles também receberam ordens de desocupar os apartamentos onde viviam, fornecidos pela empresa -benefício comum que acompanha os empregos no Japão. Sem economias guardadas de seu salário mensal de apenas US$ 700, Hirano se viu diante da certeza de virar um sem-teto.
"Eles iam nos despejar no frio do inverno para que morrêssemos", disse Hirano, 47.
A crise econômica atual vem espalhando desemprego e sofrimento pelo mundo, e o Japão não é exceção: com sua produção caindo em índices históricos, o nível de desemprego subiu para 4,4% em dezembro, contra 3,9% no mês anterior. Entre outubro e dezembro, o produto interno bruto real do país encolheu em ritmo anual de 12,7%. Mas o mais chocante é o fato de tantos dos demitidos estarem tão vulneráveis: centenas, talvez milhares, foram despejados diretamente para as ruas.
Hirano e outros dos demitidos fazem parte de uma nova subclasse de trabalhadores japoneses criada durante uma década de desregulamentação em estilo americano. Sendo empregados de curto prazo, eles não têm nenhum direito formal.
E não podem esperar muito em matéria de auxílio-desemprego ou outros benefícios sociais. No Japão, país que até recentemente tinha pouca experiência em desemprego em grande escala, a assistência para trabalhadores demitidos é insuficiente.
Segundo o Ministério do Trabalho, desde outubro foram anunciadas cerca de 131 mil demissões. Dessas, 125 mil são de trabalhadores não regulares, recrutados com contratos de curto prazo e pagamento baixo, com menos benefícios e nenhuma proteção legal.
Depois de os protestos públicos por seu despejo terem chegado aos ouvidos do governo, Hirano e outros ex-trabalhadores da Canon foram autorizados a permanecer por mais alguns meses em seus apartamentos. No Ano Novo, cerca de 500 ex-trabalhadores temporários insatisfeitos convertidos em sem-tetos construíram uma cidade improvisada de barracas ao lado do Ministério do Trabalho.
A recessão global mostra, de maneira inusitada, como uma década de transformações econômicas erodiu a versão japonesa e mais gentil do capitalismo, na qual, no passado, as empresas só demitiam funcionários quando não havia outra alternativa.
"Esta recessão abriu os olhos do país para suas crescentes desigualdades sociais", disse Masahiro Abe, professor da Universidade Dokkyo especializado em relações de trabalho. "Há toda uma população de trabalhadores que vive fora da rede de suporte tradicional."
Até uma década atrás, trabalhadores não regulares formavam menos de 25% da força de trabalho total do Japão. Mas este número subiu muito após o afrouxamento das leis trabalhistas, em 1999 e novamente em 2004, ter permitido que empregados temporários trabalhassem em linhas de produção de fábricas e outras funções antes restritas a trabalhadores em tempo integral.
Hoje, 34,5% dos 55,3 milhões de trabalhadores japoneses são empregados não regulares, e muitos destes são responsáveis pela fonte de renda principal de suas famílias, de acordo com o Ministério de Assuntos Internos.
Especialistas em relações trabalhistas e funcionários do Ministério do Trabalho dizem que o Japão precisa rever o sistema para adequar-se a um mercado de trabalho mais dinâmico, no qual nem todos os empregos podem ser vitalícios, e para impedir que as demissões exerçam efeito financeiro tão devastador. "Precisamos construir uma rede de segurança adequada a este ambiente desregulamentado", disse Yusuke Inoue, chefe de seção do Birô de Emprego Estável do Ministério do Trabalho.
A Canon disse que tinha subestimado as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores demitidos na recessão atual e que lhes ofereceria mais ajuda. Hirano e outros demitidos disseram que recebiam anualmente cerca de US$ 22 mil, abaixo da linha de pobreza do Japão. Ele e seus colegas de trabalho disseram pensar que, se trabalhassem duro, a empresa os recompensaria com um salário maior.
"A Canon deveria ter cuidado de nós", disse um operário de 32 anos, tão envergonhado com sua demissão que pediu para que fosse citado apenas seu sobrenome, Murakami. "Essa é a maneira japonesa de agir. Mas isto não é mais o Japão."

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