quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Os desafios da nanotecnologia para o Brasil

Fonte: Gazeta Mercantil

Os desafios da nanotecnologia para o Brasil

Rio de Janeiro, 17 de Fevereiro de 2009 - A nanotecnologia já supera a
redução de tamanho de objetos, especialmente para a medicina e o uso de
materiais, e avança no manuseio dos átomos, individualmente. O tema é mais
acessível aos leigos, quando relacionado, por exemplo, com uma lagartixa,
a bola de futebol ou as cores do ouro, como se lerá aqui. "Tudo que era
micro virou nano, até para se conseguir financiamento dos órgãos de
fomento do governo", afirma o presidente da Associação Brasileira de
Carbono (ABCarb), engenheiro químico Luiz Depine de Castro, consultor do
Centro Tecnológico do Exército, em Guaratiba, Rio de Janeiro.

Depine, em entrevista exclusiva à Gazeta Mercantil e ao Jornal do Brasil,
lamentou o pouco conhecimento que o País tem da tecnologia do carbono, que
tem impacto sobre múltiplas atividades, como a siderurgia e a indústria
automobilística. Ele trata dos nanomateriais de carbono, a exemplo de
nanofibras, nanoesferas e nanotubos. "A lagartixa virou um exemplo
universal de como a natureza muitas vezes nos mostra algo que vamos levar
tempo para entender. Se os pelos existentes na pata da lagartixa não
fossem extremamente finos, reduzidíssimos, ela nunca conseguiria andar de
cabeça para baixo. Funcionam como velcro", comenta. Segundo Depine, a
nanotecnologia, a partir de arranjo de átomos, será uma verdadeira
revolução na forma de produção como conhecemos. "Primeiro porque
miniaturizará as fábricas, segundo porque modificará completamente a
demanda por mão-de-obra e terceiro porque eliminará, praticamente, a
ocorrência de defeitos".

O engenheiro Luiz Depine de Castro, que desenvolveu uma patente sobre
carbono, usada em ônibus espaciais, destaca que a nanotecnologia
impulsiona sonhos futuristas, só presentes na ficção científica, como os
elevadores espaciais. "Este é um sonho da Nasa, a agência espacial dos
Estados Unidos", diz, tratando da possibilidade de cabos feitos por
nanotubos de carbono. "É claro que, se conseguirmos explorar na prática
toda a potencialidade dos nanotubos de carbono, será possível a produção
de algo tão leve como uma camiseta à prova de balas que, além disso, seja
capaz de carregar microsensores para medir a temperatura do corpo, os
batimentos cardíacos, etc.", acrescenta. Todos os materiais de carbono
estão progressivamente ocupando espaços dos materiais tradicionais. A
substituição gradativa ocorre sob a forma de compósitos de fibra de
carbono (como os cientistas definem as composições), de espuma grafítica
ou de nanomateriais de carbono. "A posição do Brasil no desenvolvimento de
materiais de carbono é praticamente nula", ressalta Depine.

Gazeta Mercantil - O Sr. relaciona o desenvolvimento da tecnologia de
carbono com o de nanotecnologia. Por quê? Quantos especialistas
brasileiros se dedicam a esses estudos?

Nanotecnologia está na moda. Tudo que era micro virou nano, até para se
conseguir financiamento dos órgãos de fomento. Eu diria que a
nanotecnologia, que penetra em todos os segmentos do conhecimento, tem
dois ramos principais: a medicina e a área de materiais. Os nanomateriais
de carbono, tais como nanofibras, nanoesferas e nanotubos de carbono, têm
aplicação em ambos os segmentos e de uma forma extremamente forte,
principalmente na área de materiais. É difícil dizer quantos especialistas
brasileiros estão ou gostariam de estar envolvidos em nanotecnologia. Se
houvesse disponibilidade financeira ilimitada acho que quase todos os
pesquisadores da área de materiais, pelo menos, estariam envolvidos em
nanotecnologia, dada a sua importância.

Gazeta Mercantil - Sintetize, por favor, a redução de materiais que
simboliza a nanotecnologia.

A humanidade sempre se importou com o tamanho das coisas, até para
compatibilizá-las com a nossa capacidade de transportar. Após a Segunda
Guerra Mundial esse objetivo se tornou muito mais claro e a minha geração
viu como os japoneses começaram a reduzir o tamanho de tudo, dos relógios
aos rádios de pilha e às câmeras fotográficas. Não existe melhor exemplo
para isso do que o computador. Na terminologia nanotecnológica isso seria
chamado de uma redução "top-down", ou seja, de cima para baixo. Começa-se
com um material de grande tamanho e consegue-se progressivamente reduzir o
tamanho de seus componentes. Um exemplo clássico são os "chips" dos
computadores. Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, previu, em 1965,
que o número de transistores em um "chip" de computador dobraria a cada 18
meses. Dobrou a cada 24 meses, mas, mesmo assim, foi um visionário.

Gazeta Mercantil - Como está o desenvolvimento da nanotecnologia atualmente?

Hoje, quando se fala em nanotecnologia, se fala, na realidade, de algo
mais ousado, que é o chamado "bottom-up", ou seja, de baixo para cima. Não
se trata mais de reduzir o tamanho de algum objeto já existente para
torná-lo menor, mas de construir os objetos a partir do manuseio dos
átomos, individualmente. Essa nova visão começou com Richard Feynman,
professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia, em 1959, quando ele
mostrou, em palestra, as potencialidades da miniaturização e textualmente
afirmou que "os princípios da física, até onde eu posso ver, não falam
contra a possibilidade de manobrar coisas átomo por átomo... O que
aconteceria se pudéssemos arranjar os átomos um por um da forma que
desejássemos?". A palestra de Richard Feynman ficou esquecida até 1986,
quando Eric Drexler publicou o livro "Engines of creation", popularizando
o que se conhece hoje como nanotecnologia. Em 1989, Don Eigler,
pesquisador do laboratório da IBM, mostrou concretamente que a teoria do
"bottom-up" era algo concreto, quando manipulando átomos de xenônio ele
formou a palavra IBM.

Gazeta Mercantil - Por que a lagartixa é um símbolo da natureza importante
para a nanotecnologia?

A lagartixa virou um exemplo universal de como a natureza muitas vezes nos
mostra algo que vamos levar tempo para entender. Se os pelos existentes na
pata da lagartixa não fossem extremamente finos, reduzidíssimos, ela nunca
conseguiria andar de cabeça para baixo. Funcionam como velcro. À medida
que reduzimos a dimensão dos objetos, nós deixamos, proporcionalmente,
mais átomos na superfície dos mesmos e é isso que conta, porque são os
átomos da superfície que são importantes para que as reações e os
fenômenos ocorram com maior facilidade

Gazeta Mercantil - O que a nanotecnologia mostra sobre as cores do ouro?

No mundo nanotecnológico nem sempre valem os conceitos que temos, e é isso
que se exemplifica com a cor do ouro. O ouro só é amarelo para grandes
agrupamentos atômicos, ou seja, grandes peças. As partículas nanométricas
de ouro podem ser azuis ou vermelhas, dependendo da distância entre seus
átomos, mas o mais impressionante é que Faraday (1791-1867), ao observar
isso no ouro coloidal, já intuía que isso se devia ao tamanho das
partículas quando dizia que o ouro variava do azul até a púrpura de
Cassius.

Gazeta Mercantil - Qual é o exemplo relacionado à bola de futebol?

A bola de futebol é um outro exemplo semelhante ao da lagartixa. Quando
verificamos algo novo que a natureza já nos mostrava há muito tempo. Isso
está relacionado aos fulerenos, que são um dos nanomateriais de carbono.
Tornou-se conhecimento popular que o arquiteto Richard Buckminster Fuller,
projetista do domo do pavilhão americano na Expo 67, em Montreal, não
conseguia produzir uma forma esférica perfeita arranjando os hexágonos da
estrutura e que, após uma noite de sono, ele teve a ideia de inserir um
pentágono e cercá-los por hexágonos obtendo o que procurava. Em 1985,
quando uma nova forma alotrópica do carbono foi descoberta, Harry Kroto e
Richard Smalley verificaram que ela exibia estrutura idêntica à imaginada
por Fuller e a chamaram de "Buckminsterfullerene", que ficou popularmente
conhecida como fulereno. Os fabricantes de bola de futebol copiaram a
ideia de Fuller para produzir uma bola perfeitamente esférica.

Gazeta Mercantil - O arranjo dos átomos, na miniaturização, cria enormes
possibilidades. Quais?

É claro que estamos falando de algo que há 50 anos era ficção científica e
que demonstrou ser viável a partir do experimento de Don Eigler nos
laboratórios da IBM. A tecnologia "bottom-up" para produzir materiais a
partir do arranjo dos átomos será uma verdadeira revolução na forma de
produção como conhecemos hoje. Primeiro porque miniaturizará as fábricas,
segundo porque modificará completamente a demanda por mão-de-obra e
terceiro porque eliminará, praticamente, a ocorrência de defeitos. As
pessoas que conseguem visualizar o futuro imaginam a possibilidade de se
colocar fábricas completas em cima de uma mesa. Obviamente a mão-de-obra
necessária para operar essas fábricas será, em termos numéricos,
insignificante em relação ao que conhecemos atualmente e sua qualificação
não será nada comparada ao que temos hoje.

Gazeta Mercantil - Quais são os nanomateriais de carbono conhecidos?

Os nanomateriais de carbono conhecidos são as nanofibras, as nanoesferas,
os fulerenos e os nanotubos. Certamente os mais divulgados são os
nanotubos, mas todos têm grande aplicação.

Gazeta Mercantil - E os nanotubos?

Os nanotubos atraíram enorme atenção, desde a sua descoberta em 1991, por
duas razões básicas: a sua alta resistência mecânica e a sua versatilidade
na área eletrônica. A resistência à tração de um nanotubo de carbono,
teoricamente, chega a ser 30 vezes mais forte que a da fibra de carbono e
aproximadamente 150 vezes mais forte que o aço. É hoje o material mais
forte que o homem é capaz de produzir. Na área eletrônica, é o material
ideal porque pode ser produzido para ter um comportamento metálico ou
semicondutor. Isso significa que, dominados os desafios tecnológicos
normais de um desenvolvimento, seria possível produzir qualquer circuito
eletrônico, inclusive "chips" de computadores, somente usando nanotubos de
carbono.

Gazeta Mercantil - Que desafios enfrentam a tecnologia de carbono?

A tecnologia do carbono, exceto a dos nanomateriais, já está bastante
consolidada no mundo. É claro que, ainda assim, se busca sempre melhorar o
que já se conhece, reduzir o custo de fabricação e obter materiais
inovadores. Foi assim na década de 60, com a fibra de carbono, e na década
de 80, com a espuma grafítica. Quando se fala de Brasil, os maiores
desafios são a quase completa ignorância sobre o assunto, o
desconhecimento quase completo de sua potencialidade, a carência de
especialistas e pesquisadores no setor e a convicção das empresas de que
vão conseguir exportar e vender seus produtos interna e externamente
ignorando a existência desses materiais.

Gazeta Mercantil - E os desafios da nanotecnologia, dos nanomateriais?

Quanto aos nanomateriais de carbono, por serem extremamente recentes,
existem grandes desafios tecnológicos a serem vencidos. Um deles diz
respeito ao controle de sua produção para obter exatamente o material
desejado e não uma mistura. Os nanotubos, por exemplo, podem ter
comportamento metálico ou de semicondutor, portanto é necessário
identificar como se pode controlar a fabricação para se ter um ou outro.
Muitos outros desafios tecnológicos estão e estarão presentes, por muito
tempo, na produção de nanomateriais de carbono, mas eu diria que o custo
de fabricação é sempre a chave para a popularização de tudo que se inova.

Gazeta Mercantil - Quais as aplicações de nanomateriais em desenvolvimento?

São incontáveis. Nanoesferas, por exemplo, podem ser utilizadas como
aditivos em óleos lubrificantes. Nanofibras podem ser utilizadas como
reforço em materiais compósitos ou, popularmente, composições de
materiais. Nanotubos de carbono podem ser utilizados em baterias
recarregáveis, principalmente utilizando lítio, em supercapacitores, em
circuitos eletrônicos, e na geração de imagens tanto em raios X como em
"displays", além do emprego óbvio reforçando materiais compósitos. É claro
que, se conseguirmos explorar na prática toda a potencialidade dos
nanotubos de carbono, será possível, como já publicou a revista Nature
(volume 423, página 703), se produzir algo tão leve como uma camiseta à
prova de balas que, além disso, seria capaz de carregar microsensores para
medir a temperatura do corpo, os batimentos cardíacos, etc.

Gazeta Mercantil - Já há empresas explorando comercialmente essas áreas?
Onde?

Sim, no Japão, na Europa e nos Estados Unidos.

Gazeta Mercantil - O carbono e a nanotecnologia, juntos, podem conduzir à
existência de elevadores espaciais?

Esse é um sonho da Nasa (National Aeronautics and Space Administration -
ou Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço), nos Estados Unidos.
Hoje é uma ficção científica, mas que ela gostaria que se tornasse
realidade. Como esse material é extremamente forte, teoricamente seria
possível ter um elevador espacial cujos cabos fossem feitos de nanotubos
de carbono.

Gazeta Mercantil - Esses materiais de carbono têm lugar definitivo no
cenário tecnológico?

Todos os materiais de carbono estão progressivamente ocupando espaços dos
materiais tradicionais, seja sob a forma de compósitos de fibra de
carbono, de espuma grafítica ou de nanomateriais de carbono. A grande
restrição ao seu uso generalizado ainda é o custo. Entretanto, já se
consegue comprar na internet varetas para pipa e aeromodelos, além de
vasos sanitários, feitos integralmente em fibra de carbono. Em pouco
tempo, muito pouco tempo mesmo, quem não estiver produzindo, por exemplo,
carros de linha com várias partes em fibra de carbono dificilmente
conseguirá se manter no mercado. Se a crise não abrandar as restrições
impostas pela Comunidade Européia, isso já começará a acontecer em 2010.
Como mencionei, até a indústria da construção civil, no Brasil, já sentiu
essa necessidade e, até o momento, tem sido a mais agressiva para utilizar
esse tipo de material.

Gazeta Mercantil - Qual a posição do Brasil no desenvolvimento de
materiais na atualidade?

Sobre o desenvolvimento de materiais de carbono, a posição do Brasil é
praticamente nula. Com exceção do núcleo do Centro Tecnológico do Exército
e de alguns poucos pesquisadores em universidades brasileiras, ninguém
mais desenvolve esses materiais. Quanto aos materiais, como um todo, o
Brasil ainda carece de tecnologia para a produção de materiais especiais.
O País produz aquilo que demanda quantidade, mas com raríssimas exceções
aquilo que demanda tecnologia sofisticada.

Gazeta Mercantil - A Associação Brasileira de Carbono (ABCarb), tem um
projeto para o desenvolvimento do setor?

A ABCarb, criada oficialmente em 2007, resultou do anseio dos poucos
pesquisadores brasileiros interessados na área do carbono e que há muito
tempo decidiram juntar esforços para tentar melhorar a situação do País
nesse setor. Não conta com nenhum apoio governamental, ainda, nem com o
apoio de empresa privada, embora estejamos fazendo força para que isso
aconteça. Ela tem pouco mais de um ano e espera-se que, com a divulgação
de sua existência, as empresas privadas compreendam o esforço que estamos
fazendo e a necessidade de apoiá-la.

Gazeta Mercantil - Como a ABCarb pode ser apoiada?

A ABCarb vem fazendo o que é possível para uma entidade iniciante. Mantém,
por exemplo, excelente relacionamento com suas similares ao redor do
mundo, como os grupos britânico e francês de carbono. Entre 11 e 13 de
junho deste ano está promovendo, junto com o Grupo Francês de Carbono, o I
Encontro Franco-Brasileiro de Carbono, na cidade de Bordeaux (França).
Auxilia seus associados na solução de problemas, indicando locais para
execução de ensaios tecnológicos e possíveis consultores. Bienalmente,
promove o congresso brasileiro de carbono, que este ano tem sua realização
ameaçada pela retração dos possíveis patrocinadores, em consequência da
crise econômica internacional. É intenção da ABCarb lançar uma revista
científico-tecnológica na área de materiais de carbono, mas a entidade
ainda busca patrocinadores para isso. Toda empresa que quiser apoiar a
ABCarb encontrará no seu site (www.abcarb.org.br) a forma de fazê-lo e os
benefícios correspondentes.

Gazeta Mercantil - Quanto o Brasil deveria investir na nanotecnologia?
Qual é o papel da iniciativa privada?

O problema maior não é o quanto o Brasil deveria investir na área de
nanotecnologia, nem mesmo o quanto deveria investir em ciência e
tecnologia, mas sim como deveria fazer isso. Entretanto, eu posso dar
alguns números dos investimentos feitos na área de nanotecnologia só para
efeito de comparação. Somente em nanotecnologia, em 2003, o Japão investiu
algo ao redor de US$ 1 bilhão, os EUA, US$ 774 milhões, a Coréia, US$ 757
milhões e o Brasil, em 2004, US$ 97 milhões. Eu acho que essa pergunta
necessita de uma resposta mais completa. Até por volta de 1920, a
tecnologia que se desenvolvia no mundo tinha base exclusivamente empírica.
Isso significa dizer que a academia e a iniciativa privada se desconheciam
completamente e não necessitavam uma da outra. A partir dessa época, as
empresas verificaram que se tornava cada vez mais difícil inovar e
começaram a buscar suporte na ciência. Surgiu, então, o que se
convencionou chamar de tecnologia de base científica e que foi a
responsável pela explosão tecnológica que o mundo conheceu.

Gazeta Mercantil - Qual a diferença do nosso modelo científico-tecnológico?

Pode-se dizer que o Brasil "descobriu" a ciência e a tecnologia na década
de 70, quando começou a formar, em quantidades significativas, seus
doutores nas universidades européias e americanas. Nessa ocasião, o País
decidiu adotar um modelo de desenvolvimento científico-tecnológico
semelhante ao dos Estados Unidos, sem levar muito em consideração as
peculiaridades do País. Nos Estados Unidos, as universidades se preocupam
em fazer ciência e alguma tecnologia, com o apoio governamental, porque as
empresas privadas fazem todo o restante do desenvolvimento tecnológico.
Aqui as coisas são bem diferentes. Raríssimas empresas privadas têm um
laboratório de pesquisa e desenvolvimento, contando com pós-graduados
(mestres e doutores) em seus quadros. Com isso, o modelo brasileiro ficou
destorcido, porque só se preocupou com a ciência. O Estado não atuou para
desenvolver ou induzir o desenvolvimento tecnológico. Publicou-se e se
publica centenas de artigos em revistas científicas internacionais, mas
quase não se deposita patentes ou se gera inovação. Se tivéssemos nos
aproximado um pouco mais dos modelos europeu ou asiático, talvez a
situação fosse diferente.

Gazeta Mercantil - Há possibilidade de uma mudança positiva?

O Brasil já entendeu o problema e as coisas parecem que estão tendendo a
mudar. A criação, pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, uma
empresa pública), dos chamados CTs (Centros Tecnológicos), CT Petro, CT
Verde e Amarelo, e outros, é um exemplo disso. Nesse caso, o governo
financia parcialmente o desenvolvimento tecnológico em uma instituição de
pesquisa, desde que esteja associada a uma empresa privada. Infelizmente
essa iniciativa ainda é muito tímida. O problema se agrava quando o
próprio governo envia sinais ambíguos através de seus órgãos oficiais. Os
órgãos avaliadores das instituições de pesquisa e dos pesquisadores não
valorizam a geração de patentes e a inovação da mesma forma que a
publicação de artigos científicos. Dessa forma os pesquisadores, na sua
grande maioria, se desinteressam das patentes uma vez que elas contarão
muito pouco para sua ascensão profissional. Na verdade, as patentes se
tornam um estorvo altamente inconveniente para os pesquisadores.

Gazeta Mercantil - Por quê?

Vamos dar um exemplo concreto: para um aluno de doutorado defender tese
ele tem, na quase totalidade das universidades brasileiras, que publicar
um artigo científico, enquanto o registro de uma patente não tem qualquer
valor nesse sentido. É absolutamente impossível no tempo reservado ao
doutorado se produzir trabalho de qualidade, registrar uma patente (que
exige sigilo por um longo tempo) e ainda publicar artigo científico. Dessa
forma, os pesquisadores evitam o quanto podem se envolver com patentes e
inovação. Quem perde é o Brasil, que continua gerando majoritariamente
papel e exportando produtos primários. Eu me doutorei na Europa, mas não
poderia fazê-lo no Brasil. A minha tese foi defendida logo após o registro
da patente que ela gerou (tecnologia para inibir a oxidação de carbono em
altas temperaturas) e os artigos científicos começaram a ser publicados
somente um ano após a obtenção do título. Passados mais de 20 anos, o que
foi feito na Europa ainda não se faz no Brasil.

Gazeta Mercantil - O Brasil investe bem?

Isso tudo é para dizer que, antes de dimensionar o quanto seria necessário
investir no desenvolvimento de materiais de carbono e mais ainda na área
de tecnologia, precisamos pensar seriamente na forma como estamos
investindo, e se ela vai nos levar a atingir os objetivos de um país que
quer ser uma potência mundial. Em 1998, publiquei um artigo em revista
nacional intitulado "A tecnologia, a educação e a balança comercial -
reduzir, cortar e chorar" porque nessa época nossa balança comercial era
altamente deficitária e eu comentava que, se não agregássemos valor às
nossas exportações iríamos acabar cortando na carne e chorando. Veio a
bolha de desenvolvimento quatro anos depois e o resultado sobre a balança
comercial todo mundo conhece. A bolha estourou nessa crise mundial e a
nossa balança comercial voltou à realidade. Eu prefiro encerrar essa
entrevista com a mesma frase que usei, na época, para encerrar o artigo
que mencionei: "A quem é incapaz de gerar a globalização só permitirá
reduzir, cortar e chorar!".

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 2)

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