quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Precários: a cura pelo concurso

Precários: a cura pelo concurso

ELIZABETH BALBACHEVSKY

Fonte: Folha de São Paulo

É preciso que a seleção do professor volte a ser uma prerrogativa da escola, o que implica descentralização e vínculos permanentes

A PROVA classificatória para professores "precários" do ensino público paulista suscitou um debate que parte, a meu ver, de uma perspectiva errada. Propõe-se como cura para todos os males o concurso público, como se a simples efetivação dos professores fosse capaz de assegurar a qualidade do ensino.
Se dessa forma fosse, todo o ensino privado teria a mesma reputação de qualidade que o ensino público tem, uma vez que todos os seus professores são, em princípio, precários.
O número de efetivos e estáveis em sala de aula (130 mil) esconde o enorme número de professores efetivos que hoje desempenham funções fora da sala de aula.
Abrir concurso para 75 mil novos cargos de professor não significa, portanto, prescindir de "temporários", pois a inércia, por si só, irá garantir que uma parcela significativa dos novos "efetivos" saia do ambiente da sala de aula por meio da ampla gama de alternativas que a legislação estatutária lhes garante.
Afinal, um dos paradoxos da "carreira" aberta para o professor efetivo da rede pública são precisamente as oportunidades (e incentivos) para o professor se afastar da sua atividade-fim, em contraste com os poucos e precários instrumentos para premiar seu bom desempenho em sala de aula.
A prova da Secretaria da Educação não tinha como objetivo resolver o problema da efetivação, mas sim o de cumprir sua obrigação constitucional de garantir a todos um ensino de qualidade.
Infelizmente o debate se cingiu a uma oposição entre um Estado "mau patrão" e os direitos estatutários e trabalhistas reivindicados pelos sindicatos. No outro prato da balança, entretanto, está o direito constitucional à educação, um direito difuso das famílias paulistas, que não encontrou seu porta-voz no debate.
Tem razão uma educadora da Universidade de São Paulo quando lamenta, em entrevista à Folha (13/2/ 2009), o desaparecimento da figura do professor "da" escola estadual.
A inexistência do vínculo do professor com a escola -seja ele estável, seja precário- deve-se ao fato de que não é na escola, mas sim no Estado, que o professor encontra tudo o que é relevante para sua vida funcional e acadêmica.
A escola estadual não tem nenhuma autoridade ou poder sobre o recrutamento, a carreira, as remoções, as licenças, os afastamentos, tampouco sobre o desempenho dos professores. A "atribuição" centralizada das turmas, por meio de regras burocráticas e impessoais, tal como era a praxe, é uma aberração, uma vez que ela amplia a rotatividade dos docentes, retira do professor quaisquer vín- culos com a escola e, ao mesmo tempo, retira da escola qualquer instrumento de pressão por desempenho ou assiduidade.
Reduzir o problema do desempenho do professorado à questão de seu regime empregatício tem, como corolário, que escolher a escola é uma prerrogativa do professor, ao contrário do que ocorre no resto da civilização, onde escolher o professor é uma prerrogativa essencial da escola.
Para inverter esse processo perverso, é preciso, primeiro, que o recrutamento do professor volte a ser uma prerrogativa da escola, o que implica processos seletivos descentralizados e, em segundo lugar, que o vínculo com a escola seja em princípio permanente e a remoção seja a exce- ção, tendo a escola que cede e a que recebe a última palavra.
Finalmente, essa escola precisa ter seu desempenho aferido e avaliado em processos transparentes que possam ser acompanhados pela sociedade (e não apenas por seus pares). Somente dessa maneira poderemos ter de volta "os professores da escola pública", e a escola pública poderá voltar a ser uma instituição com vida própria -e não apenas um lugar onde se aglomeram provisoriamente estudantes e professores.
Se existe a disposição do governo do Estado para criar 75 mil novos cargos de professor, seria uma insensatez usar a oportunidade proporcionada pelo conflito provocado pela avaliação dos temporários para simplesmente reproduzir todos os vícios do atual sistema. Uma nova carreira docente, com um novo tipo de vínculo com o ensino e com a escola, tendo o direito dos alunos e das famílias como referência de legitimidade, está ao alcance da mão.

ELIZABETH BALBACHEVSKY , 50, socióloga, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo, é professora associada do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisadora sênior do Nupps-USP (Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas). É fellow do mestrado em ensino superior da Universidade de Tampere (Finlândia), com bolsa Erasmus Mundi da União Europeia.

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