sexta-feira, 30 de maio de 2008

STF abre caminho para maior investimento em células-tronco

Fonte: BBC

Pioneira diz que decisão dá mais segurança para aprofundar pesquisas.

A liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias abre caminho para o Brasil investir com mais força numa das linhas mais promissoras da ciência e da medicina, de acordo com cientistas ouvidos pela BBC Brasil.
"A gente segue o que vem fazendo desde 2005, agora com mais coragem para comprometer estudantes a longo prazo porque a gente sabe que não vai virar inconstitucional de uma hora para a outra", disse Lygia da Veiga Pereira, professora da Universidade de São Paulo (USP) e uma das pioneiras nas pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram nesta quinta-feira, por 6 votos a 5, apoiar a continuidade das pesquisas, que já eram previstas na Lei de Biossegurança mas tinham sua constitucionalidade questionada desde 2005.
Segundo Pereira, embora a decisão do STF só tenha saído agora, o governo sempre passou a mensagem à comunidade científica para continuar com as pesquisas.
"O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) ignorou (o questionamento), continuava a dar dinheiro para a pesquisa. A mensagem era 'toquem a vida normalmente'", diz Pereira.
Ainda assim, a cientista diz esperar que a definição legal aumente o interesse da comunidade científica pelas pesquisas e atraia investimentos da iniciativa privada.

Promessa
Células-tronco são células capazes de se multiplicar e se diferenciar em variados tecidos do corpo humano; as células-tronco extraídas de embriões são consideradas as mais promissoras para tratamento de doenças, especialmente degenerativas, por causa da sua grande capacidade de diferenciação.
Apesar do potencial, as células-tronco embrionárias podem ser também bastante instáveis quando manipuladas em laboratório, o que torna particularmente difícil o estabalecimento das chamadas linhagens.
Embora alguns cientistas discutam a importância de o país ter uma linhagem "made in Brazil" para desenvolver pesquisas nessa área, Pereira argumenta que abrir mão disso seria "perder a autonomia de poder estabelecer linhagens próprias, que vão ser muito importantes para uso em terapias".
"As linhagens a que a gente tem acesso não são adequadas. Os métodos vêm sendo aprimorados para tornar essas células mais adequadas. Artigos científicos recentes já mostram que cada linhagem tem uma vocação um pouquinho diferente."
Com liberação no STF, a pesquisadora da USP espera desenvolver a primeira linhagem de células-tronco embrionárias do Brasil até o fim deste ano.
Se tivesse sido declarada a inconstitucionalidade das pesquisas, o projeto estaria comprometido. Pereira, assim como outros cientistas, teria que continuar a importar células-tronco embrionárias de outros países.

Diabetes

Cientistas brasileiros já utilizam células-tronco adultas em pesquisas clínicas.
Júlio Voltarelli, pesquisador do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, coordena pesquisa que tornou os diabéticos do tipo 1 independentes da insulina por meio de células-tronco da medula óssea do próprio paciente, mas também aposta na perspectiva das células-tronco embrionárias.
Sem isso, diz Voltarelli, seria difícil avançar, já que atualmente as suas pesquisas atendem apenas pacientes recém-diagnosticados (até 6 meses), ou cerca de 1% do universo dos diabéticos.
"Só consigo atingir aqueles em fase muito inicial, numa fase muito avançada vou precisar de célula embrionária", diz Voltarelli. "A célula adulta não é suficiente para tratar todo o espectro de doenças."
Embora suas pesquisas com células-tronco com pacientes cardíacos também sejam consideradas um sucesso, Edimar Bocchi, diretor do Laboratório de Insuficiência Cardíaca e Transplante do Incor, diz que as pesquisas com células-tronco ainda são uma promessa.
"Hoje consigo elevar a capacidade cardíaca de um paciente de 25 para 28, quando o ideal é 70", diz Bocchi. "Pode até ser que um dia seja milagroso, mas hoje não é".
Ainda assim, o cientista acredita que proibir ou restringir severamente as pesquisas com células-tronco embrionárias seria diminuir o leque de opções e as chances de sucesso nas pesquisas.

"Mito"

Já a cientista da Escola Paulista de Medicina/Unifesp Alice Teixeira, que é contra qualquer tipo de pesquisa com embriões, questiona o potencial terapêutico das células embrionárias.
"Criou-se um mito, dizendo que é uma panacéia, que vai se curar tudo. Você tem 25 países pesquisando isso há 25 anos e até agora nada", diz Alice, destacando os riscos de o organismo rejeitar células transplantadas.
"Você vai matar embriões, o que do ponto de vista ético é inaceitável, sem necessidade".
Para Teixeira, os pais que geram embriões em clínicas de fertilização in vitro deveriam ser responsabilizados pelo destino dos embriões que não quiserem gestar, eventualmente até procurando pais que queiram adotá-los.
Embora apóie as pesquisas, o imunologista e coordenador do Instituto do Milênio de Engenharia Biotecidual (IMBT), ligado à Fiocruz, Ricardo Ribeiro dos Santos, concorda que é uma falácia dizer que as pesquisas com células-tronco "vão resolver tudo".
"A gente não sabe ainda como manipular no sentido de resolver essas doenças (degenerativas)", disse. "No mundo inteiro, ainda não há protocolo utilizando essas células para tratamento de doenças."

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