segunda-feira, 9 de junho de 2008

Inflação e fome

Fonte: Folha de São Paulo - LUIZ ROBERTO CUNHA

A ATUAL aceleração inflacionária no mundo, a "aginflação", tem entre os seus principais componentes a alta dos alimentos.
Em 2007, na China, no Japão e em alguns países da África Central, cerca de 75% da inflação foi causada pelos alimentos; em outros países, como Chile, Peru e Equador, parte do Sudeste Asiático e do Leste da África, de 50% a 75% da inflação teve origem nos alimentos; em quase todo o resto do mundo, incluindo Brasil, Rússia, Índia, África do Sul, Egito, Arábia Saudita, Espanha e Europa Central, os alimentos contribuíram com cerca de 25% a 50% da inflação. Apenas os EUA, a Austrália e a maior parte da Comunidade Européia tiveram um impacto dos alimentos abaixo de 25% na sua inflação em 2007.
Esses dados são impressionantes, até porque, no início de 2008, os alimentos continuaram com forte alta, dessa vez mais concentradas no arroz e no trigo, itens básicos na dieta alimentar das populações de baixa renda na Ásia e na África. As conseqüências foram protestos e distúrbios sociais em muitos países.
Além disso, programas internacionais de combate à fome estão com grandes dificuldades não só pela elevação do custo, mas também pela falta de alimentos. Essa é a principal razão para os alertas da FAO sobre a gravidade da crise -a fome no mundo está aumentando.
Podemos listar um grande número de fatores responsáveis pela alta dos preços dos alimentos. O principal é o crescimento da demanda mundial, em grande parte gerada pelo desenvolvimento, pela urbanização e pela mudança de padrões alimentares em países emergentes, sobretudo China e Índia, com milhões sendo incorporados ao mercado nos últimos anos.
A melhor distribuição de renda em outros países emergentes, como no nosso caso, também é relevante, bem como a excessiva liquidez mundial, fruto da política monetária expansionista dos últimos anos nos EUA.
Do lado da oferta, problemas climáticos afetando a produção em todo o mundo e a utilização de grãos para biocombustíveis, especialmente nos EUA, têm diminuído acentuadamente os estoques mundiais.
A queda do dólar é também um fator importante, impactando cotações que buscam compensar as perdas. O acentuado "choque" nos preços do petróleo, impactando custos. A crise no mercado financeiro, carreando recursos para operações de hedge nos mercados futuros de commodities.
Ou seja, uma "tempestade perfeita", a mais grave desde os anos 60, quando a Revolução Verde começou a ampliar a produção de alimentos, direta ou indiretamente vem contribuindo para a inflação dos alimentos.
Qual é a contribuição dos subsídios e das políticas de restrições à exportação nessa crise? É uma questão difícil de responder, especialmente num momento em que o preço dos alimentos virou questão de "segurança nacional". Porém, dado o ambiente de proteção que existe no mundo, parece que estamos indo na direção errada.
A atual crise fez recrudescerem medidas de aumento de subsídios, reduções tarifárias e restrições à exportação pelo mundo. Essas medidas, para reduzir o impacto da alta sobre os consumidores, dependendo da gravidade da crise, podem até se justificar no curto prazo, mas tendem a agravar a oferta de alimentos no longo prazo.
Entre os maiores aumentos, temos o do arroz, uma das commodities menos comercializadas mundialmente (apenas 6%). Além disso, a história econômica demonstra que a "autarquização" nunca foi uma solução para a auto-suficiência.
Para que se possa ter uma nova Revolução Verde, considerando as maiores dificuldades atuais em aumentar a produtividade agrícola, os preços têm que refletir, pelo menos em parte, a escassez. Esse é o verdadeiro incentivo econômico, e não os subsídios, que, entre 2004 e 2006, segundo a OCDE, nos países-membros, alcançaram, em média, US$ 280 bilhões por ano. Recursos dessa magnitude, investidos em aumento de produtividade e apoio aos programas de combate à fome, sem dúvida seriam mais eficientes em termos econômicos e sociais para um mundo em crise.


LUIZ ROBERTO CUNHA, 62, é professor do Departamento de Economia e decano do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio.

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