quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Aposentadoria em meia hora parecia piada

Aposentadoria em meia hora parecia piada
ELIO GASPARI
Fonte: Folha de São Paulo

As coisas boas também acontecem, o INSS está livrando o país de uma inhaca cinquentenária

ADMITA-SE QUE em dezembro de 2003 uma pessoa resolvesse listar cinco coisas impossíveis e produzisse algo assim:
1 - Em 2008 os Estados Unidos elegerão um presidente negro com nome muçulmano.
2 - José Dirceu, o "capitão do time" de Lula, será defenestrado, terá o mandato cassado e ficará exposto até mesmo ao furto da memória de seu computador.
3 - Os EUA acabarão atolados numa guerra civil no Iraque e os dois lados pedirão a saída de suas tropas.
4 - O INSS concederá aposentadoria por idade em meia hora.
5 - Wall Street irá à garra.
A previsão da boa nova para os trabalhadores brasileiros talvez fosse a mais estapafúrdia. Todas aconteceram, mas a vitória obtida pelo governo de Nosso Guia merece respeito. É sucesso na veia do andar de baixo, precisamente numa faixa social onde "espera" e "INSS" significavam malogro, fraude e desrespeito. Ninguém se esquece do momento-Calígula do ministro Ricardo Berzoini, que convocou todos os velhinhos do país para um recadastramento.
As paixões políticas turvam a cena em que ocorrem mudanças que beneficiam o andar de baixo. À esquerda e à direita há um certo desconforto para se reconhecer que o general Garrastazu Médici lançou a base do que é hoje a aposentadoria do trabalhador rural e que João Goulart defendeu e sancionou a lei que criou o 13º salário.
O tempo de espera para quem busca a aposentadoria por limite de idade já estava na faixa decente dos 21 dias, mas uma tramitação de meia hora era coisa na qual ninguém seria capaz de acreditar. O sistema começou a funcionar nesta semana, com alguns enguiços. Talvez em um ano todas as outras modalidades de aposentadorias tramitarão com rapidez semelhante.
Imagine-se a ridícula situação em que fica um daqueles médicos da rede privada que condenam seus pacientes a esperas intermináveis: "Doutor, sua consulta está demorando mais que tramitação de processo de aposentadoria no INSS". A patuléia se livrou de uma aporrinhação, numa época em que é chique ficar na fila para entrar em cercadinho VIP, para comprar jatinhos e reservar mesa em restaurantes que servem espumas. A maison Hermès gosta de dizer que a fila de espera para a sua bolsa Birkin é de dois anos. (Mentira, mas ficar numa fila-Hermès dá status.)
A benfeitoria do INSS deriva de avanços tecnológicos, mas seria injusto atribuir a eles o êxito conseguido. Os computadores poderiam ter feito esse serviço há mais de dez anos. Basta ver que em São Paulo o governador Mario Covas criou em 1997 o Poupatempo, para a rápida obtenção de documentos que consumiam semanas. Num e noutro caso, havendo tecnologia, houve vontade de usá-la em benefício da choldra. Há questões em que há a tecnologia, mas, como faltam vontade e trabalho, nada acontece. É esse o caso do ressarcimento devido ao SUS pelas operadoras de saúde privada e da regularização da propriedade de lotes urbanos em terrenos públicos.
Em outubro de 2005, Nosso Guia prometeu: "A ordem é acabar com as filas, [do INSS] dando dignidade ao cidadão. A partir de março, começo de abril, podem me cobrar". Ninguém cobrou a bufonada, mas, três anos depois, pelo menos uma das esperas do INSS vai-se embora. As coisas boas também acontecem.

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