segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Índios buscam restos em lixão de Boa Vista

Índios buscam restos em lixão de Boa Vista

Saídos de reservas do Estado, como a Raposa, indígenas e garimpeiros vasculham aterro sanitário na periferia da capital

Para agente da Funai, quando os índios saem de suas comunidades, ficam com vergonha de voltar e têm de sobreviver na cidade

JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BOA VISTA
MARLENE BERGAMO
ENVIADA ESPECIAL A BOA VISTA

Fonte: Folha de São Paulo

O aterro sanitário de Boa Vista (RR), que recebe mais de 600 toneladas de lixo produzidas diariamente por seus 250 mil moradores, é o destino de índios e garimpeiros que deixaram as reservas indígenas de Roraima, como a Raposa/Serra do Sol, e hoje precisam do detrito para sobreviver na cidade.
A Folha esteve no descampado de mais de 500 metros de extensão, na periferia da capital. Viu ao menos 30 pessoas com feições indígenas trabalhando em meio ao chorume (resíduo formado a partir da decomposição de matéria orgânica) e aos urubus.
Eles não quiseram falar. "O pessoal tem medo que seja a polícia, que aparece para tirar a gente daqui", afirma Magson Pinto Azevedo, 28, um dos não-índios da área que perambula pelo aterro há seis anos, buscando alumínio, cobre ou algo para comer.
Segundo outros catadores, ex-moradores das reservas aparecem periodicamente. Usam o que pegam no aterro para vender e comprar roupas. Também trocam farinha com outros freqüentadores do aterro pela gordura das carnes apodrecidas. "Eles vendem o sebo para as fábricas de sabão."
Sentada sobre uma lata, uma mulher abaixa a cabeça quando percebe a chegada da reportagem. Ao seu lado, outra, mais velha, esconde o rosto com uma das mãos.
Com alguma insistência, a primeira diz que elas são da etnia macuxi. Está grávida de cinco meses. "Venho só de sábado aqui", diz, perto do trator que esmaga a carga deixada por outro caminhão. Mas se cala quando perguntada sobre sua terra de origem.
Apesar de não ser indígena, Luís Almir Ferreira, 52, conhece bem a Raposa/Serra do Sol. Durante dez anos, morou nela, onde buscava, ilegalmente, ouro e diamante.
Foi expulso depois da homologação da reserva, em 2005. Agora vasculha o lixo, com a ajuda de uma espécie de espeto de ferro, ferramenta de quase todos no aterro. "Lá era muito melhor, bonito. Demora para se acostumar com o cheiro."
Como boa parte dos catadores, ele trabalha cinco dias por semana, das 9h às 17h. Consegue R$ 400 por mês, o que "dá só para o gênero [comida]".
"Tem muito garimpeiro aqui. Eles saíram [das reservas], foram botados para fora. Quando chegam à cidade, não têm o que fazer", diz José Procópio de Souza, 65, que há 20 sobrevive dos detritos de Boa Vista.
Um agente da Funai (Fundação Nacional do Índio) na região disse que, quando os índios saem de suas comunidades, ficam com vergonha de voltar e têm de sobreviver na cidade. Alguns, afirmou, acabam cometendo suicídio.
Para Erotéia Mota, macuxi e candidata derrotada a vice-prefeita do arrozeiro Paulo César Quartiero, o número de egressos da Raposa no aterro deve aumentar se o Supremo Tribunal Federal confirmar a demarcação contínua da reserva.

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